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ESCÂNDALO NA IGREJA

Padre Leandro atraía coroinhas para ‘satisfazer lascívia’, diz denúncia

Acusação do Ministério Público contra pároco que atua em Americana detalha abusos cometidos contra quatro vítimas; defesa diz que acusação é absurda

Por George Aravanis/João Colosalle

18 de dezembro de 2019, às 10h23 • Última atualização em 08 de junho de 2021, às 10h19

A denúncia apresentada pelo Ministério Público contra o padre Pedro Leandro Ricardo descreve quatro episódios em que o religioso teria abusado de crianças e adolescentes que atuavam junto a ele na Paróquia São Francisco de Assis, em Araras, entre os anos de 2002 e 2006. O LIBERAL teve acesso ao documento nesta terça-feira (17). A ação sobre o caso tramita sob sigilo.

Segundo a Promotoria, o padre, por exercer “autoridade moral e inegável influência religiosa sobre os membros de sua comunidade”, “atraía crianças e adolescentes para a função de ‘coroinha’, bem assim para as tarefas cotidianas da igreja, com o propósito último de satisfazer sua lascívia”.

Tal condição de ascendência sobre as vítimas é considerada pela Promotoria como “temor reverencial” na denúncia apresentada na última sexta-feira (13) à Justiça de Araras.

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Desde o início das investigações, Leandro tem negado as acusações de abusos sexuais. O advogado que o defende diz que a acusação do Ministério Público é “absurda” (leia mais abaixo).

Foto: Arquivo_O Liberal
O padre Pedro Leandro Ricardo, acusado de abusos sexuais em paróquia de Araras

O documento do MP cita oito supostas vítimas. Dois casos são relacionados a supostos abusos ocorridos e sob apuração em Americana. Outros dois não renderam elementos suficientes para que fossem incluídos na denúncia – um deles prescreveu e outro houve negativa veemente da vítima.

Nos quatro casos que renderam a acusação a padre Leandro, os relatos de abuso foram feitos pelas próprias vítimas em inquérito conduzido pela Polícia Civil de Araras.

Em um deles, a Promotoria descreve que, em 2002, Leandro chamou um rapaz para dormir na casa paroquial para ajudá-lo na missa da manhã seguinte.

O padre, diz a denúncia, ofereceu vinho ao jovem e depois apareceu de bermuda, com o pênis ereto. Segundo o MP, Leandro fez sexo oral no adolescente, que se livrou do religioso e correu para um dos quartos.

Em outra oportunidade, a mesma vítima relatou ter sido assediada pelo padre quando ele passou as mãos sobre suas coxas e pênis. O episódio teria ocorrido durante uma viagem de carro, dirigido pelo padre.

“Consumados os delitos, o denunciado, em data posterior, na tentativa de comprar o silêncio da vítima, entregou ao adolescente um envelope contendo a soma de R$ 500. A vítima, que até então não tinha tido contato com
nenhum tipo de prática sexual, deixou de frequentar a igreja”, conclui a denúncia do MP.

Situação semelhante ocorreu em 2003 também em uma viagem com uma adolescente que era coroinha à época, na Paróquia São Francisco de Assis. Enquanto dirigia, padre Leandro teria desviado o caminho para uma estrada da zona rural de Araras. Segundo a vítima, ele passou as mãos nas coxas e genitais. “Aterrorizada com insistência do denunciado [Leandro], a vítima tentou pular do veículo em movimento”, diz a denúncia

“De igual modo, depois de consumado o crime, o denunciado tentou de comprar o silêncio da vítima, presenteando-a com perfumes”, traz o MP. “Posteriormente, expulsa da igreja pelo denunciado, a adolescente passou a sofrer de depressão”.

No caso de um menino de 11 anos, Leandro alisou o corpo da criança a pretexto de vesti-lo com a batina, segundo o MP. O episódio teria ocorrido em 2005.

No mesmo período, o padre também convidou uma adolescente para ser coroinha na igreja e, “aproveitando-se da ausência de recursos financeiros da vítima”, a chamou, certa vez, a sua sala para se oferecer para pagar a ela a passagem para que pudesse acompanhar o grupo do coral que faria viagens pela região.

Na sala, padre Leandro teria feito carícias na adolescente. Dias depois, sob o pretexto de conversar sobre a vocação da menina, o pároco teria segurado seu pênis em frente a ela – o episódio foi interrompido por alguém que bateu à porta da sala. Em outra oportunidade, em 2006, minutos antes da celebração de uma missa, Leandro chamou a adolescente à sala e baixou as calças da menina.

Ouça o podcast Além da Capa, produzido pelo LIBERAL

“A vítima, de forma intuitiva, subiu as calças e empurrou as mãos do padre. Este, contrariado, ameaçou a vítima dizendo que prejudicaria seu irmão [seminarista], caso não cedesse às suas investidas”, descreve o MP. “Por fim, o denunciado expulsou a adolescente do coral”.

ACUSAÇÃO

Na denúncia apresentada na última sexta-feira o promotor Luiz Alberto Segalla Bevilacqua pede que o padre seja condenado por quatro crimes de atentado violento ao pudor com dois agravantes: ele exercia autoridade sobre as pessoas e, em um dos casos, a vítima tinha menos de 14 anos.

O crime de atentado ao pudor consiste em constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal. As penas variam de 2 a 6 anos de prisão.

Se Leandro for condenado à punição máxima em cada um dos casos, a pena acrescida dos agravantes somaria 46 anos e 6 meses de cadeia – no Brasil, ninguém pode ficar mais de 30 anos preso.

Agora, a Justiça vai decidir se aceita a denúncia proposta pela Promotoria. Caso seja aceita, padre Leandro virará réu na primeira instância e deverá ser julgado após o juiz ouvir testemunhas de acusação e defesa.

A Promotoria não pediu a prisão preventiva do padre porque ele respondeu à investigação em liberdade e não atrapalhou o andamento do inquérito, além de não possuir mais contato com as vítimas.

DEFESA

O advogado Paulo Sarmento, que defende o padre Pedro Leandro Ricardo, criticou a denúncia apresentada pelo Ministério Público de Araras contra o reitor afastado da Basílica de Americana, acusado de crimes sexuais.

“A denúncia é absurda, não encontra respaldo no fatos e viola o princípio da legalidade”, disse ao LIBERAL Sarmento. No entendimento do advogado, os depoimentos que embasam a acusação da Promotoria contra Leandro “não subsistem ao contraditório e às provas que serão produzidas pela defesa no decorrer do processo”.

“Confiamos que o Poder Judiciário não se deixará levar por comoção pública produzida artificiosamente por mídias sociais, e fará Justica absolvendo nosso cliente de tais acusações falaciosas”, afirmou o defensor.

HISTÓRICO

O padre Leandro Ricardo está fora do comando da Basílica de Americana desde janeiro, quando a investigação teve início. Inicialmente, ele pediu afastamento. Depois, foi suspenso após as denúncias contra ele virem a público.

Leandro atuou em Araras antes de ser transferido para Americana. O inquérito contra ele teve origem em um dossiê anônimo montado por um produtor audiovisual e por uma advogada enviado à deputada federal Lecy Brandão (PCdoB), que encaminhou o material ao Ministério Público.

Foto: Marcelo Rocha - O Liberal.JPG
Suspeitas de abuso e acobertamento recaem sobre o bispo Dom Vilson e o padre Leandro Ricardo; eles negam

Além de casos de abuso sexual supostamente cometidos pelo padre, inclusive em sua passagem por Americana, a denúncia também relatava acobertamentos por parte do bispo da Diocese de Limeira, dom Vilson Dias de Oliveira, além de extorsão a outros padres e acúmulo de patrimônio incompatíveis com o cargo que ocupa na igreja.

O escândalo, que chegou a repercutir em um encontro mundial da igreja, com o Papa Francisco, culminou com a queda de Dom Vilson do posto, em maio. No lugar de Vilson, assumiu o bispo dom José Roberto Fortes Palau, de 54 anos.

COMISSÃO

Após os escândalos de abuso sexual que atingiram líderes católicos locais, a Diocese de Limeira criou uma Comissão de Denúncias para receber queixas de abusos sexuais cometidos por clérigos e religiosos.

O órgão, que começou a operar no primeiro semestre, já analisa casos, que correm sob sigilo. Para entrar em contato com a comissão, é preciso ligar na Cúria Diocesana, no telefone (19) 3441-5329.

A criação da comissão seguiu decreto do papa Francisco, que determinou que até junho de 2020 todas as dioceses do mundo tenham sistemas acessíveis para receber as queixas.

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