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VCA 141, dez anos

O silêncio da tragédia

Episódio marcante na história de Americana, colisão fatal entre ônibus e trem na Rua Carioba completa 10 anos

Por João Colosalle / Rodrigo Alonso

06 de setembro de 2020, às 08h35 • Última atualização em 09 de dezembro de 2020, às 17h00

O jornalista Bargas Filho voltava da cobertura de um empate desastroso do Rio Branco na Copa Paulista, em Jundiaí, quando o celular tocou. Do outro lado da linha, um editor do LIBERAL, com a edição impressa do dia seguinte praticamente fechada, passou uma instrução.

“Nem venha para a redação. Vá direto para a Rua Carioba que teve um acidente gravíssimo”. Era por volta de meia noite.

Experiente nas pautas policiais – ali já eram 33 anos de carreira –, Bargas rumou para a região central de Americana.

Quando chegou ao cruzamento da linha férrea, viu os destroços de um ônibus da VCA (Viação Cidade de Americana), com o prefixo intacto, alguns corpos no chão, pessoas sendo socorridas e sandálias, sapatos e bolsas espalhados pelos trilhos.

Ônibus da VCA ficou destruído após ser atingido por trem na linha férrea da Rua Carioba, no Centro de Americana – Foto: Marcelo Rocha / O Liberal

O rangido de peças metálicas sendo recortadas pelos bombeiros ecoava pela madrugada que começara na cidade. Ainda assim, o que o jornalista dizia ouvir era apenas um silêncio. O silêncio da tragédia.

“Ninguém falava. As pessoas estavam em silêncio. Parece que aquele acidente provocou um estado de choque generalizado até naqueles profissionais que são treinados para atender situações de tragédia”, lembra.

O que Bargas Filho, hoje com 60 anos, testemunhara naquela virada de noite entre os dias 8 e 9 de setembro de 2010 era o cenário de uma das maiores tragédias da história de Americana.

Às 23h26, um ônibus da VCA, que fazia o transporte público da linha que levava ao bairro Antonio Zanaga, deixara o antigo terminal urbano e, cerca de 150 metros depois, tentara cruzar a linha férrea na Rua Carioba antes que um trem da ALL (América Latina Logística), carregado com 7 mil toneladas de soja, fechasse a passagem. Não deu tempo.

O ônibus da VCA foi atingido em cheio e arrastado por 82 metros. No momento do acidente, havia 26 passageiros, o motorista e o cobrador. Nove morreram no local ou nas poucas horas seguintes. A décima vítima faleceu três meses depois. Outros 18 ficaram feridos, alguns com sequelas. O motorista, quem tomou a decisão de avançar os trilhos, sobreviveu.

O estado em que ficou o ônibus VCA 141, no dia seguinte ao acidente – Foto: José Roberto Bueno / O Liberal

O cruzamento da Rua Carioba com a linha férrea é, até hoje, um trajeto comum para os ônibus do transporte municipal em Americana.

A transposição dos trilhos se dá por viadutos em ao menos três trechos da cidade, mas, naquele ponto, de movimento intenso justamente por conta da proximidade com o terminal de ônibus, o cruzamento era pelo chão, a chamada passagem de nível.

Quatro anos antes, após um acidente semelhante no local, mas sem vítimas fatais, a cancela que ajudava a barrar o avanço de veículos ao aproximar dos trens foi retirada, inexplicavelmente.

Fosse por ela, quem sabe, a história daquela noite de 8 de setembro talvez tivesse tido outro desfecho diferente da tragédia.

“Como aquilo aconteceu?”, era a pergunta que Bargas Filho e outros colegas jornalistas tentavam conseguir responder para as reportagens.

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A tragédia do VCA 141 rendeu páginas e discussões sobre a responsabilidade pelo acidente por semanas, inclusive em escala nacional.

No noticiário, o luto de familiares e sobreviventes comoveu a cidade. Mas o episódio também marcou a vida de quem atuou para ajudar as vítimas ou esclarecer o caso.

Patrulheiro da Gama (Guarda Municipal de Americana), Antonio Saladine, de 52 anos, ainda fala da tragédia do dia 8 de setembro de 2010 como se tivesse sido ontem. O horário, o número de pessoas resgatadas e as cenas daquela noite continuam na memória, mesmo após dez anos.

Ele foi um dos primeiros agentes a chegar ao local onde houve a colisão entre o trem e o ônibus, no cruzamento da Rua Carioba. Do ônibus, segundo Saladine, só sobrou o prefixo com o número da linha: 141. Todo o resto estava destruído.

“Chegando ao local, só dava para ver o prefixo do ônibus entre os trens e pessoas gritando, pedindo por socorro, para socorrê-las”, lembra.

Ele contou que, além dos guardas e do Corpo de Bombeiros, o acidente também atraiu ambulâncias de diferentes hospitais, como Unimed, São Lucas e o Hospital Municipal Waldemar Tebaldi.

“É uma coisa terrível, uma coisa que eu não quero nunca mais ver na minha vida. Até hoje passo lá e lembro de tudo que aconteceu. Uma
tragédia mesmo”.

Edvaldo Messias Barros, que na época era o perito-chefe do Instituto de Criminalística de Americana, até hoje, costuma abordar o assunto com colegas de profissão. Ele afirmou ter se surpreendido com a dimensão da tragédia.

“Às vezes, converso sobre o assunto, embora mais restrito, com os colegas de profissão, os novatos e aqueles que têm curiosidade em saber”, diz o profissional de 62 anos, que hoje não atua mais com perícia oficial.

Condenação

Condenado pelas mortes, o motorista Alonso de Carvalho nunca chegou a ser preso. A pena de quatro anos e seis meses por dez homicídios culposos (sem intenção) e 18 lesões corporais, definida em 2014, foi convertida em prestação de serviços à comunidade.

Na Justiça, praticamente todas as famílias de vítimas ou sobreviventes que entraram com ações de indenização tiveram o direito reconhecido, mas ainda aguardam o pagamento.

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