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Covid-19

‘Não tinha um filho, tinha um pai’, diz mãe de Renan, enfermeiro morto pela Covid-19

Cleuza diz que o amor por cuidar do outro era marca da personalidade do filho, que sonhava com a medicina; enterro foi realizado na manhã deste domingo

Por George Aravanis

31 de maio de 2020, às 16h39 • Última atualização em 01 de junho de 2020, às 16h47

A paixão de Renan Daniel do Prado, enfermeiro americanense de 31 anos morto pelo novo coronavírus (Covid-19) no sábado (30), era cuidar, principalmente de idosos e crianças.

“Eu não tinha um filho, eu tinha um pai. Ele cuidava muito”, conta Cleuza Aparecida dos Santos, 59. A mãe de Renan conversou com a reportagem do LIBERAL na tarde deste domingo, quatro horas após o sepultamento do profissional de saúde, que foi acompanhado por um cortejo de amigos, ambulâncias e carros da Gama (Guarda Municipal de Americana).

A homenagem, conta Cleuza, é reflexo da personalidade de um jovem que amava o trabalho e fazia amigos com facilidade.

“Ele era uma pessoa muito carismática. O Renan fazia amizade onde ele ia. Se você visse hoje o tamanho do cortejo… as pessoas não puderam entrar, porque senão acho que teria enchido o cemitério [por causa da doença, só familiares puderam acompanhar o enterro no Cemitério do Parque Gramado].”

Em Piracicaba, onde o rapaz trabalhava, o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) fez homenagem semelhante. Acompanhou o corpo do hospital até a Rodovia Luiz de Queiroz (SP-304).

Cleuza e Renan moravam juntos no Parque São Jerônimo, em Americana.

Renan ao lado da mãe; rapaz tinha diabetes, doença que é um agravante para a Covid-19 – Foto: Arquivo Pessoal

Sempre grudado à mãe, o enfermeiro aproveitava cada oportunidade para estender seus cuidados a ela. Há alguns anos, Cleuza precisou colocar uma prótese no joelho e fazia o tratamento no HM (Hospital Municipal) de Americana. Naquele tempo, Renan vivia uma época difícil de provas na faculdade e trabalho pesado.

Atuava com técnico de enfermagem de ambulâncias do HM. “Mas cada vez que a ambulância vinha para o hospital, ele corria lá embaixo me ver, se estava tudo bem.”

Nascido em Americana e criado em Torrinha (município vizinho a Brotas e que fica a 142 quilômetros de Americana), Renan retornou à cidade natal após concluir o ensino médio. Fez os cursos de técnico e auxiliar de enfermagem no Colégio Bandeirantes e a faculdade na Unip de Limeira.

Sonhava ser médico. Como o curso de medicina era caro demais para a família, resolveu se tornar enfermeiro, passar em um concurso e depois seguir o sonho.

Renan tinha começado recentemente uma pós-graduação em gestão pública e vivia rodeado de livros ligados a enfermagem e medicina, conta a mãe. “Ele falava: ‘agora voltei no foco da medicina, vou fazer, vou passar’. Ele era um menino muito cheio de sonhos”, diz Cleuza.

Cortejo antecedeu o enterro de Renan neste domingo – Foto: Gama / Divulgação

Diante das jornadas extensas no trabalho e do estudo à parte, nas horas livres o prazer do jovem era dormir. “Amava dormir, e amava estudar.”

Medicada com calmantes, Cleuza se preocupa em como será a vida sem o filho com quem sempre foi muito ligada. “Hoje eu tô anestesiada, cheia de calmante, minha preocupação vai ser daqui pra frente”

Seu outro filho, três anos mais velho que Renan, passou a morar com ela pouco antes da internação do enfermeiro, no dia 8 de maio, no Hospital Regional de Piracicaba Dra. Zilda Arns – Renan trabalhava em Piracicaba e já atuou também no HM (Hospital Municipal) de Americana e no PA (Pronto-Atendimento) do Zanaga.

Renan morava no São Jerônimo e há três anos trabalhava em Piracicaba – Foto: Reprodução – Facebook

No terceiro dia de internação, Renan avisou à mãe que iria para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva) apenas para ser melhor observado, por causa do cansaço e da dificuldade de respiração. Na UTI, foi entubado e não deixou mais a unidade de alta complexidade.

O enfermeiro tinha diabetes, segundo a mãe. Era o único fator de risco associado à doença. Cleuza também teve Covid-19 e já está curada.

ROSTO
Renan ficava revoltado quando se deparava com gente que não respeitava as regras de distanciamento, como já escreveu no próprio Facebook. “Ele ficava indignado de ver aquele monte de gente no mercado, aglomerado.”

Renan comentava, segundo Cleuza, que as pessoas só acreditariam na doença quando os números se tornassem rostos. “Infelizmente um dos dos números com rosto foi ele.”

Podcast Além da Capa
O novo coronavírus representa um desafio para a estrutura de saúde de Americana, assim como outros municípios da RPT (Região do Polo Têxtil), mas não é o primeiro a ser encarado. H1N1, dengue, malária, febre maculosa. Outras doenças também modificaram rotinas, exigiram cuidados além do trivial – ainda que não tenha havido quarentena, como agora – e servem de experiência para traçar paralelos com o atual cenário. Nesse episódio, o editor Bruno Moreira conversa com a repórter Marina Zanaki, que assina uma série de reportagens sobre outras epidemias em Americana.

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