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ESPECIAL

Fábrica da Goodyear em Americana completa 50 anos como protagonista da história da cidade

Vinda de multinacional, nos anos 70, mobilizou políticos, impulsionou diversificação de indústrias locais e se tornou oportunidade para migrantes e moradores

Por João Colosalle

07 de dezembro de 2023, às 08h07 • Última atualização em 07 de dezembro de 2023, às 19h55

Funcionários da Goodyear com o primeiro pneu da fábrica de Americana, em fevereiro de 1973 - Foto: Acervo Goodyear

A capa do LIBERAL de 14 de abril de 1971 trazia a manchete que o redator dizia ser a melhor notícia dos últimos tempos na cidade. “Americana venceu: Goodyear é nossa”, estampava o jornal, no alto da página e em letras maiúsculas.

As negociações para a vinda da multinacional norte-americana da fabricação de pneus corriam sob certo sigilo naquela época. Além de Americana, a empresa também era motivo de disputa por Santa Bárbara d’Oeste e Limeira.

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Mas foi um grande terreno da família Abdalla, às margens da Rodovia Anhanguera, que atraiu os empresários. Não só isso. Para conquistar a nova unidade da Goodyear no Brasil, uma mobilização entre câmara e prefeitura fez surgir uma legislação que previa incentivos fiscais para grandes indústrias que se instalassem em Americana.

Deu certo. Em 7 de dezembro de 1973, há exatos 50 anos, a Goodyear fazia a inauguração oficial de sua fábrica em Americana.

A chegada da multinacional, que se tornou a maior empresa da cidade, gerou emprego e renda para milhares de moradores e colaborou de maneira histórica para a formação do município, com a atração de migrantes, a diversificação da indústria local e um incremento significativo no orçamento municipal, com a arrecadação de impostos.

Capa do LIBERAL de 14 de abril de 1971, que anunciava vinda da Goodyear a Americana – Foto: Reprodução

Luiz Paro, hoje com 69 anos e morador do Jardim São Paulo, participou da inauguração. No final de 1972, ele se mudou de um sítio em Colina, na região de Barretos, para Americana, atraído pela fama de polo industrial que a cidade detinha, especialmente pela pujante presença do setor têxtil.

Em maio de 1973, sete meses antes da inauguração, ele havia conseguido o emprego na Goodyear. A fábrica ainda estava em processo de montagem, com máquinas e equipamentos sendo instalados, mas já oferecia um emprego que era o sonho de muita gente – algo que se tornaria uma das grandes características da empresa na cidade.

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“Em 1976, eu adquiri o meu primeiro veículo. Um ‘Fuscão’ 71, um carro com cinco anos de uso. Eu comprei aquele Fusca com uma quinzena do meu salário”, lembra Luiz, lembrando uma das vantagens da Goodyear, que pagava os empregados a cada quinze dias. E pagava bem.

Prefeitura e câmara se uniram para trazer Goodyear a Americana

Fundada em 1898, em Akron, cidade hoje com 189 mil habitantes no estado de Ohio, nos Estados Unidos, a Goodyear cresceu na fabricação de pneus com a popularização dos automóveis. Hoje, ela tem 72 mil colaboradores e está espalhada por 150 países.

No Brasil, chegou em 1919 com um armazém de pneus importados no Rio de Janeiro. A produção de pneus no País começou em 1939, em uma fábrica no Belenzinho, às margens do Rio Tietê, na capital paulista.

Em Americana, ela se instalou com uma fábrica moderna e de olho no mercado de veículos que crescia com mais vigor do que nunca. Na época, os interesses dos empresários norte-americanos se juntaram com a vocação do prefeito em exercício.

Vista aérea do começo da construção da Goodyear, em Americana, em foto de 1973 – Foto: Acervo Goodyear

Abdo Najar, um industrial sírio eleito em 1968, tinha a ambição de alavancar a economia da cidade. “Ele queria diversificar o parque industrial de Americana para que a cidade não dependesse da indústria têxtil”, contou o filho Omar Najar, que também foi prefeito entre 2015 e 2020.

Para que a Goodyear se instalasse em Americana, Abdo articulou com a câmara dos vereadores uma nova legislação que permitisse à prefeitura conceder incentivos fiscais para indústrias que optassem pelo município.

Ainda em abril de 1971, já com a confirmação de que a multinacional havia escolhido Americana para se instalar, a câmara aprovou a tal legislação, com texto final de autoria de Jessyr Bianco – advogado, fundador do LIBERAL e então vereador.

O acordo entre governo e indústria previa que a prefeitura desapropriasse uma área de 90 alqueires – o equivalente a 2,1 milhões de metros quadrados – às margens do quilômetro 128 da Rodovia Anhanguera. O terreno pertencia, em sua maior parte, à família Abdalla, que topou o negócio. Ainda em 1971, a Goodyear começaria a construir sua fábrica em Americana.

Fábrica de Americana se tornou emprego desejado e disputado

Tal como Luiz Paro, Ademir Baldon foi um dos muitos migrantes que vieram parar em Americana nos anos 70. O administrador, hoje com 64 anos, deixou Sertanópolis, no interior do Paraná, ainda criança, buscado por parentes para tentar a vida na famosa Princesa Tecelã.

Na época, carros de som rodavam nas cidades da região anunciando oportunidades de emprego na multinacional, até porque a mão de obra ainda não era abundante. Mas conseguir ser contratado também não era tarefa fácil.

Com o tempo, a Goodyear se tornou uma empresa desejada e disputada. Pagava-se salários acima da média, havia oportunidades de evolução na carreira internamente e os benefícios agregados aos cargos eram quase que inéditos para a época.

O administrador Ademir Baldon, que trabalhou por 27 anos na Goodyear, em Americana – Foto: Marcelo Rocha/Liberal

Depois de passar por empregos na indústria e no comércio, Baldon conseguiu a vaga na Goodyear. Era abril de 1984 e ele seria ajudante geral de produção. Na época, segundo ele, a empresa produzia 14 mil pneus por dia e já tinha mais de 2 mil funcionários, do “pó preto” à alta diretoria. Quando saiu, em 2011, eram 38 mil pneus diários.

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Dos 27 anos em que trabalhou para a empresa, o engenheiro tem memórias que ajudam a explicar porque tanta gente queria ser parte da Goodyear.

“A comida [do restaurante da empresa] era maravilhosa. Você tinha transporte de qualidade e segurança na porta de casa, convênios de saúde, auxílio odontológico, auxílio farmácia”, contou. “Ela ficou muito reconhecida e querida com todo esse pacote que entregava. A comunidade se apaixonou”.

No período, a unidade de Americana se tornou “menina dos olhos” para a marca. Era uma das fábricas que mais produzia no mundo, com segurança, qualidade e eficiência. “Uma escola onde o mundo inteiro vinha aprender”, lembra Baldon.

Eloy Gioria, que se mudou de São Paulo para Americana em 1977 – já como funcionário da Goodyear paulistana -, lembra das oportunidades que a empresa proporcionava aos funcionários. Nos anos 70, ele, que atuava na divisão de desenvolvimento de produto, chegou a ir ao Iraque para avaliar o uso de pneus da empresa.

“Eu sempre me identifiquei bem com a função que eu tinha. Dentro da Goodyear eu tive a oportunidade de conhecer outros locais. Eu diria que tive uma vida bastante ativa na empresa”, comentou ele, hoje com 85 anos e morador de Americana.

Família Goodyear

A presença da Goodyear em Americana também serviu para “importar” talentos, tal como Gioria. Foi o caso do químico paulistano Socrates Cyriaco Ananiades, hoje com 76 anos.

Ele tinha 25 anos, vivia em São Paulo, era casado, tinha um filho de dois anos e uma filha de seis meses, quando foi convidado para atuar como coordenador chefe do departamento químico da nova unidade.

Socrates viu “nascer” o primeiro pneu da fábrica americanense, em fevereiro de 1973, antes ainda da inauguração oficial. Durante quase 42 anos, a Goodyear foi o seu primeiro e único emprego – 34 deles, na unidade de Americana.

A inauguração da Goodyear, em dezembro de 1973, que atraiu autoridades como o governador Laudo Natel – Foto: Acervo Goodyear

Além de todos os benefícios que a multinacional oferecia, o paulistano se lembra do clima que havia na fábrica. “Ela sempre foi uma companhia que preservava muito o seu funcionário. Era a família Goodyear”.

Amélia Fussae Perossi, de 76 anos, lembra até hoje do número de sua ficha funcional na unidade americanense: 123, de 15 de janeiro de 1973.

Funcionária da divisão de desenvolvimento, ela é outra que marcou presença na inauguração, que atraiu o então governador Laudo Natel e o ministro Pratini de Moraes, da Indústria e Comércio, representando o presidente Emílio Garrastazu Médici.

Moradora de Campinas, ela passou 28 anos na fábrica de Americana, onde suas maiores lembranças também estão relacionadas à “família Goodyear”.

“Quando eu saí da Goodyear, eu me lembro que o que me marcou bastante foram as cartas que eu recebi do mundo inteiro. Eu tenho até hoje guardadas em uma pasta essa despedida. Foi uma época muito boa”, conta ela, que hoje é proprietária de uma fábrica de mangueiras.

Empresa ainda é a maior em Americana

A Goodyear continua como uma das maiores empresas de Americana e uma das unidades mais modernas do mundo da fabricante de pneus. Emprega cerca de 2 mil funcionários e é uma das principais exportadoras da cidade.

“Estamos orgulhosos da história que construímos até aqui. Nossa missão, além de avançarmos rumo ao futuro da mobilidade produzindo produtos de alta qualidade, inovação e segurança, também se estende para contribuirmos com o desenvolvimento da comunidade do entorno da nossa fábrica, ou seja, Americana e região”, diz Julien Frezard, diretor da fábrica americanense, em comunicado que seria distribuído à imprensa.

Secretário de Desenvolvimento Econômico de Americana, Rafael de Barros comentou que a Goodyear é a empresa privada que mais emprega e que mais reverte tributos para nossa cidade, que são revertidos em prol dos munícipes.

“Faz parte da história de Americana e muitas gerações de americanenses já construíram suas vidas lá. Sempre trabalhamos em conjunto para dar todo suporte necessário para que esses 50 anos se multipliquem”, disse ao LIBERAL.

A evolução das relações trabalhistas, bem como fatores econômicos e a disputa com novos mercados de pneus, como os asiáticos, fizeram a fama da empresa diminuir, mas não ser esquecida. Tampouco a gratidão de alguns funcionários se dissipou.

Os souvenirs de Ademir Baldon – Foto: Marcelo Rocha/Liberal

Quando recebeu a reportagem no segundo piso do sobrado onde mora, no Residencial Nardini, na tarde de uma segunda-feira quente e chuvosa de novembro, o administrador Ademir Baldon fez questão de demonstrar o orgulho de ter sido funcionário da Goodyear.

Sobre uma mesa de escritório, ele espalhou canetas, bonés, broches, relógios, fivelas, uma bola de futebol e até canivetes dados pela empresa durante seu período na unidade.

Depois que deixou a fábrica, em 2011, ele investiu em serviços de consultoria – dentre eles, sobre pneus. E os relacionamentos que construiu na época da “família Goodyear” se tornaram parte dos novos negócios. “Minha história com a Goodyear não vai ter fim nunca”, brincou.

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