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Entrevista

Empresário usa tempo livre para ‘derrubar’ licitações

Somente em 2019, Luís Gustavo de Arruda Camargo parou mais de R$ 200 milhões entre licitações canceladas e revogadas por irregularidades

Por André Rossi

11 de agosto de 2019, às 07h21 • Última atualização em 12 de agosto de 2019, às 08h14

O empresário Luís Gustavo de Arruda Camargo, de 42 anos, dedica parte do seu tempo livre a identificar irregularidades em licitações em diversas cidades do País.

Dono de uma empresa de eventos em Campo Limpo Paulista, foi dele as representações que apontaram irregularidades em editais em Americana para contratação de médicos, iluminação pública e asfalto.

Somente em 2019, Camargo parou mais de R$ 200 milhões entre licitações canceladas e revogadas. O empresário afirma que não há retorno financeiro algum, mas que o aprendizado após cada processo é uma forma de contribuir com a sociedade e fiscalizar o poder público.

Foto: Divulgação
“A gente começou a observar que votar não estava sendo suficiente”

O que o motivou a começar a analisar licitações?

CAMARGO 
A gente começou a observar que votar não estava sendo suficiente. A gente estava precisando fazer um controle maior das ações do governo. Nossa participação apenas na hora do voto é insuficiente. Por isso a gente começou a fiscalizar as licitações, que era onde observamos que tinham os maiores problemas.

E aí começaram nossas fiscalizações em licitações de diversas cidades, principalmente depois da matéria nossa que foi ao ar no Jornal Nacional (em outubro de 2018). Aí a gente expandiu o nosso foco para outras cidades (além de Campo Limpo Paulista).

Você já tinha representado contra licitação similar às de Americana?

CAMARGO
É uma área que a gente já domina, que é a área de subcontratação de mão de obra que estávamos observando em algumas cidades. Na nossa opinião é errado. Já tínhamos feito essa ação em outras cidades e tínhamos um estudo sobre esse tema. Foi por isso que até na primeira vez da contratação de médicos a gente conseguiu identificar que era uma licitação que tinha vício de ilegalidade.

Realmente não tinha outra saída a não ser a anulação. E agora, para minha surpresa, na segunda oportunidade, relançam a licitação para novamente contratar mão de obra. Quando você faz uma contratação, você contrata serviço. A forma que eles querem contratar médicos aí (Americana) é errado. É isso que está sendo discutido no Tribunal de Contas.

Como você seleciona as licitações?

CAMARGO
Tem algumas pessoas que estão dentro das prefeituras que passam pra gente algumas informações do que está acontecendo. A gente também conta com pessoas que moram na cidade, vê as matérias que a gente aparece sobre esse tema, se interessa e pede ajuda. Sou praticamente a única cara visível desse processo inteiro, mas existem funcionários de gabinete que me passam informação, pessoas que me chamam em rede social.

E eu estou à disposição para colaborar em qualquer uma dessas cidades. Faço a análise técnica do edital de licitação, que é exatamente para isso que serve o edital, para que a gente discuta todas as questões e para que depois, quando for efetivado o contrato, ele seja o mais próximo do ideal possível. Para que não seja um contrato que futuramente seja julgado irregular.

Essas informações que você recebe de funcionários das prefeituras, é o próprio edital ou tem mais algum documento?

CAMARGO
Quando a gente recebe a informação, por obrigação e pela força da Lei de Acesso a Informação, o gestor tem que publicar o edital e os anexos na íntegra para possibilitar o maior controle do cidadão. Para que ele possa analisar. Não só o empresário tem o direito de fazer esse acompanhamento, o cidadão mesmo vai fazer a sua fiscalização e analisar o que está de errado comparando com o que existe e já foi decidido pelos tribunais.

Por exemplo, muitos municípios acabam repetindo os mesmos erros. Geralmente copiam edital de outra cidade. Às vezes a prefeitura e os setores de administração não são quem faz o edital e o contrato, quem faz é um terceiro. Tanto que, na hora que a prefeitura recebe uma intimação para responder o processo no tribunal, ela contrata um escritório terceirizado. Não utilizam os procuradores do município.

Por quê?

CAMARGO
Se fosse do conhecimento deles (procuradores), rapidamente responderiam, não ficavam pedindo prazo. Como o edital vem sob medida, prontinho para determinada empresa, onde há o direcionamento, cláusulas restritivas a competitividade, esses caras, diante de um questionamento do tribunal, não sabem responder.

Contrata por uma fortuna mais um monte de advogado terceirizado e vem se defender das alegações que ele não tem conhecimento. Ele também não tem conhecimento porque não participou do negócio.

Uma vez feita a representação, quais as principais dificuldades que você identifica até que haja uma decisão dos tribunais?

CAMARGO

Uma das coisas que dificulta é que, além deles não dominarem o assunto, eles não reconhecem que erraram. Eles falam que é tudo procedente e depois o tribunal manda anular, refazer vários itens. No pedido inicial de uma impugnação, se o gestor for sério, ele olha aquela representação e fala “bom, é procedente eu corrigir”, mas não, eles querem que o tribunal se manifeste ao invés deles reconhecerem que está errado e fazer a correção.

Como você tomou conhecimento das licitações de Americana?

CAMARGO

Moradores daí pediram para analisar as licitações. Tomaram conhecimento através do jornal mesmo de vocês e aí eu fiz a pesquisa e a minha representação. Só aí em Americana são mais de R$ 50 milhões da gente em representação. Esse trabalho acaba sendo um livramento para o gestor. Às vezes o cara olha com maus olhos, fica nervoso que parou (o certame), mas acaba sendo um livramento porque você faz a revisão, tira as condições irregulares e não tem mais o que falar do edital. Vai lá e faz.

Você leva em consideração o objeto do edital antes de fazer a representação? No caso dos médicos, há quem tenha visto com maus olhos pelo fato de ter impedido a contratação.

CAMARGO

Simplesmente são os requisitos para a licitação. O pessoal aproveita para fazer ilegalidade em licitação da Educação porque daí quem é que vai fazer uma impugnação e deixar criança sem kit escolar? Ao invés de falar que eles cometeram ilegalidade, direcionamento, colocaram cláusulas restritivas para beneficiar determinada empresa, vão falar “olha só, deixou as crianças sem kit escolar”. Mesma coisa medicamento.

Parei diversas licitações para medicamento e também nesse caso aí para contratar médico. O cara aproveita de uma situação que ele sabe que vai ser difícil alguém entrar com impugnação exatamente por se tratar de um serviço que vai afetar a população. Eles aproveitam para aprontar porque tem quase certeza que ninguém vai impedir.

A gente não está interessado em saber qual é a finalidade da licitação. A gente olha se ela tem condição restritiva a competição, se tem condição restritiva à ampla participação, se é prejudicial a elaboração da proposta, se tem vício de ilegalidade. Não interessa para que.

Só em 2019 eu parei mais de R$ 200 milhões em licitações canceladas, revogadas, licitações ilegais que nem poderiam estar no papel. As que mais são revogadas são iluminação pública, médico e asfalto.

Qual você considera que é o principal ganho em fazer esse trabalho de fiscalização?

CAMARGO

O único retorno que eu tenho é o aprendizado com cada processo. Não tem retorno financeiro nenhum. A gente dedica parte do nosso tempo para fiscalizar as contas públicas.

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