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Liberal entrevista

‘É o convencimento de que aquilo não é o melhor’, diz tenente-coronel Hugo Araujo Santos

Experiente na negociação em ocorrências com suicidas, tenente-coronel explica como PM incorporou conhecimento e técnica em abordagens

Por Isabella Holouka

26 de setembro de 2021, às 09h07 • Última atualização em 27 de setembro de 2021, às 09h20

Atual comandante no 5º Batalhão de Polícia Rodoviária, o tenente-coronel da Polícia Militar de São Paulo, Hugo Araujo Santos, promoveu uma revolução na maneira como a corporação atende ocorrências com suicidas.

Atento à necessidade de conhecimento para maior efetividade nas abordagens, ele buscou especializações e se debruçou sobre as negociações com suicidas, criando uma técnica baseada no gerenciamento de crises que foi adotada pelas PMs em todo o Brasil.

Ao LIBERAL, o cidadão americanense compartilhou detalhes sobre sua trajetória, explicou a técnica utilizada pelos policiais militares em negociações com suicidas e apontou a escuta ativa como fundamental em momentos de crise.

O tenente-coronel Hugo, que teve passagem por Americana – Foto: Ernesto Rodrigues / O Liberal

Como e há quanto tempo o senhor começou a atender e se especializou em ocorrências com suicidas?

Foi em 1995, eu era recém formado na Academia de Polícia Militar do Barro Branco, onde eu entrei em 1992, e fui atender a ocorrência com uma moça. Era uma desilusão amorosa e ela pediu o namorado no local. Nós levamos o namorado, mas na verdade ela queria se matar em frente a ele. Na época, nós não tínhamos conhecimento de como funcionava o comportamento suicida. Eu me limitava a pedir para ela que não se jogasse, implorando.

Logo depois eu fui a Campinas, e tive a oportunidade de trabalhar na Atac (Ações Táticas de Campinas), um grupo de resposta especial, como o Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais) ou o Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais), para o atendimento de ocorrências críticas, que são crises policiais, ocorrências com reféns, motins em presídios, ocorrências com explosivos ou com suicidas.

A nossa formação, na época, era voltada para a negociação com criminosos com reféns, e eu percebi que a maioria dos casos que atendíamos, lá no início dos anos 2000, em uma proporção de 3 para 1, eram envolvendo suicidas. Hoje essa proporção é maior. E eu percebi que nós não tínhamos uma especialização para isso.

Um criminoso com refém tem dois objetivos, basicamente: ele quer fugir e sair vivo, pega alguém como refém, como garantia de vida e de fuga. Mas o suicida não quer fugir e nem sair vivo.

Então, a primeira oportunidade que eu tive de me especializar foi em 2003, quando eu fui à Argentina, em Córdoba. No ano seguinte, fiz um curso nos Estados Unidos pelo FBI, em que isso também foi tratado, e consegui fazer uma extensão em comportamento suicida na Unicamp.

Meu trabalho de conclusão de curso foi sobre negociação com suicidas, porque até então a técnica que nós da PM e do Corpo de Bombeiros tínhamos era de distrair o suicida e, quando tivéssemos oportunidade, fazíamos uma contenção física: agarrar ele, amarrar em uma maca e levar a um hospital para tomar um tranquilizante. Mas quando passava o efeito, a primeira coisa que a pessoa pensava era em voltar a se suicidar, de modo que era algo pouco eficiente, pouco produtivo, ruim para a pessoa, e ruim para a própria polícia.

A minha técnica visava, baseada no princípio de gerenciamento de crises, negociar para tentar convencer a pessoa e colaborar com a recuperação psicológica dela.

Eu percebi que quando eu negocio com alguém, e há uma rendição, a pessoa acaba se entregando, mas não entende desta forma. Entende que ele mesmo foi quem desistiu do ato. E o nosso trabalho de negociação hoje funciona desta forma. É um convencimento de que aquilo não é o melhor.

Eu apresentei esse projeto para a Polícia Militar, desde 2005 sou instrutor do grupo de Ações Táticas da PM. A doutrina que eu propus para a PM a partir de 2013, quando eu fiz o meu mestrado dentro da PM e renovei esse projeto, foi aceita e é empregada tanto na PM em São Paulo quanto em outros estados. Já dei palestras em quase todos os estados, desenvolvemos esse trabalho e temos multiplicadores dentro da PM, de maneira que hoje as ocorrências têm um atendimento mais técnico do que naquela minha primeira vez.

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Quanto tempo costuma durar este tipo de ocorrência? Conte um pouco sobre a técnica empregada hoje.

A duração da ocorrência é indeterminada, pode durar minutos, como também horas. Depende muito do perfil do causador da crise, o suicida. Existem casos menos complexos, como os que envolvem problemas mais palpáveis, como uma desilusão amorosa ou um problema profissional, até os casos mais difíceis, com um indivíduo esquizofrênico, por exemplo.

Na minha primeira ocorrência, em síntese eu falava “menina, por favor, não se joga”. Ou seja, tudo que não se fala para um suicida. Primeiro, temos que chamá-la pelo nome, para estabelecer um vínculo de empatia e confiança. Não se fala “por favor”, porque uma negociação acontece com duas pessoas no mesmo nível e, se eu peço assim, estou em um nível abaixo.

E mandar ela sair, estando em um nível acima, também não funciona. E não se fala “não se joga”, porque é exatamente o que não queremos que a pessoa faça, como se eu disser para você “não pense em elefante”, e você vai pensar exatamente nisso.

Eu não me apresento como o “tenente-coronel Hugo, negociador em ocorrências com reféns, comandante do batalhão, aqui para lhe ajudar”. É uma maneira tão imponente e importante que a pessoa não vai querer conversar comigo. Eu me apresento como Hugo, digo que estou para ajudar, e desenvolvemos a conversa de acordo com a comunicação que a pessoa faz. Usamos a programação neurolinguística, da linguagem não verbal. Para decifrarmos o que a pessoa não está falando para a gente, verificamos pelo gestual, o que a pessoa está fazendo, onde estão as mãos, as pernas, o olhar
e outras coisas mais.

Usamos a escuta ativa. Até então, doutrinariamente, entendíamos que um bom negociador era alguém que tinha boa capacidade de comunicação, que é essencial, mas o melhor é saber ouvir e entender. A técnica da escuta ativa diz “ouça e entenda”.

Eu já fui para várias ocorrências em que eu pouco falei e mais escutei. E isso acaba dando muito certo. Eu não interrompo de jeito nenhum, nem quando ele está nervoso, está descarregando os problemas todos, e eu estou ali ouvindo. Isso faz com que a pessoa desabafe. Um suicida está com a autoestima muito baixa, então tentamos fazer com que ele externe todos esses sentimentos, esvazie um pouco, e comece a ter uma consciência um pouco maior. Com base nessa consciência vamos puxando aquele fio de racionalidade, para evitar que o suicídio aconteça.

É essencial o atendimento médico posterior e da área de saúde mental, com psicólogo e psiquiatra. A polícia evita a morte imediata, pela crise que está acontecendo, e colabora para a recuperação psicológica da pessoa. Mas a PM não esgota em si todas as alternativas de recuperação.

E como é o treinamento do PM?

Temos treinamentos específicos, tanto para a PM quanto para o Corpo de Bombeiros. Há uma distinção: quando envolve uma arma, seja uma arma de fogo, revólver ou pistola, seja uma arma branca, como uma faca, quem atende é a PM. Quando envolve precipitação de um ponto elevado, ou seja, subir em uma ponte ou uma antena de alta tensão, por exemplo, quem faz o atendimento é o Corpo de Bombeiros.

A especialização dentro da PM é feita por intermédio dos cursos de gerenciamento de crise e de negociação, feitos pelo Gate, em que eu dou aula. Já no Corpo de Bombeiros, é feito por intermédio de um curso de abordagem técnica em tentativa de suicídio, na Escola Superior de Bombeiros.

Após o atendimento, conte-nos a partir da sua visão, como fica o psicológico do policial?

Quando eu comecei a desenvolver esse trabalho, eu não tinha tanta preocupação com esse aspecto psicológico, mas depois acabei percebendo que afeta muito o policial, principalmente no caso de insucesso. Nos nossos atendimentos e nos nossos doutrinamentos, recomendamos ao policial que ele esteja preparado para a pior situação possível, e mentalize isso, até para que ele tenha resiliência e não absorva o acontecido. Recomendamos também que eles sejam submetidos a um atendimento psicossocial, que seja avaliado, principalmente quando acontece uma morte.

A PM tem índices de suicídio muito maiores do que o restante da população.

Quando eu dava as minhas aulas era muito comum eu ver policiais nos consultando em relação a problemas pessoais, seja na família ou com ele mesmo. E o final das nossas aulas era uma espécie de autoanálise, para saber se o policial tem condições de atender a esse tipo de ocorrência ou não.

A maioria dos policiais tem sim, são profissionais preparados, submetidos a uma bateria extensa de exames e o psicológico está incluso nisso, para avaliar aspectos como coragem, agressividade controlada e resiliência. Todo policial em tese está apto e preparado, e em todos os cursos de formação ele recebe uma noção básica para o atendimento destas ocorrências, até a chegada de uma equipe especializada.

Pessoalmente, atender a uma ocorrência desta e conseguir evitar que uma pessoa se mate, emocionalmente, faz muito bem para a gente. Quando entramos para a polícia é para ajudar as outras pessoas, então há uma satisfação pessoal muito grande no ato de ajudar ou, como eu faço hoje, de treinar outros profissionais para que eles consigam ajudar.

O que o senhor diria, aconselhando ou encorajando, a quem está passando por uma situação difícil ou está lidando com uma pessoa fragilizada?

A primeira dica é que as pessoas observem. Qualquer alteração, como uma pessoa que é mais introspecta e começa a ficar mais extrovertida, ou o contrário; falas como “eu estou cansado da vida”, “eu tenho vontade de fugir de tudo”, “eu sou uma decepção para todo mundo” ou “eu sou um fracasso”, são indicadores de que algo errado está acontecendo.

Se a pessoa fala que efetivamente quer se matar, não subestimar isso, como se depressão fosse frescura, e tentar ajudar essa pessoa. Às vezes, escutar ajuda. Existem pessoas que passam por grandes problemas e acabam superando. A tendência de associar um problema ao suicídio nem sempre é o que acontece.

No momento em que há essa tendência suicida, há um turbilhão de sentimentos, e essa pessoa tem uma visão em túnel, e não consegue pensar em nada a não ser se matar para fugir deste problema ou para atingir alguém que teria ocasionado esse problema.

Quando eu fazia meu curso em comportamento suicida, fui a um pronto-socorro e encontrei um rapaz que tentou se matar com um tiro na boca e não morreu. Ele arrancou um pedaço do rosto, e estava fazendo a reconstrução, mas conseguia falar e se comunicar comigo. Então, eu perguntei para ele o que ele havia pensado no último momento, antes de apertar o gatilho. E ele disse “no último momento, eu me arrependi”. Temos casos também de pessoas que se jogam e gritam “meu deus” enquanto estão caindo.

Não podemos dizer o que se passa com essas pessoas depois que elas vão para algum outro lugar, pelo menos não sem recorrer à fé, mas eu posso acreditar que se elas pudessem voltar atrás, todas elas se arrependeriam disso. Não há nenhuma razão que justifique alguém a tirar a própria vida. Para tudo se dá um jeito.

Mas percebemos que a primeira imagem que fica para a pessoa que é próxima de quem se suicidou é o sentimento de culpa, de não ter feito algo. Essas pessoas precisam saber que, embora haja um aspecto social, o suicídio é um ato de livre arbítrio, cada um faz consigo.

Procurando ajuda? Veja onde encontrar atendimento psicológico em Americana e região

Caps Americana
Rua Estevão Carlos Vicentini, 115, Jardim Dona Rosa. Telefones: 3461-3363, 3408-1133 e 3462-4977.

Caps Santa Bárbara
Rua Floriano Peixoto, 15, no Centro. Telefone: 3454-0138.

Caps Nova Odessa
Rua Bento Toledo Rodovalho, 149, Vila Azenha. Telefone: 3476-6051

Caps Sumaré
Rua Pedro Zacarchenco, 251, Planalto do Sol. Telefone: 3873-1744

Caps Hortolândia
Rua João Cancian, 161, no Parque Ortolândia. Telefones: 3819-6852 e 3865-4890.

CVV
Funciona 24h por dia e atende pelo número 188.

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