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Americana

Coronavírus trava vida de americanense na Lombardia

Rogério Silone tem emprego garantido em Londres, mas está ‘preso’ na capital da região mais afetada; lá, mercado mede temperatura na entrada

Por George Aravanis

28 de março de 2020, às 14h14

Foto: Arquivo Pessoal
Brasileiro, que tem residência em Nova Odessa, está isolado no apartamento cedido por um amigo em San Donato Milanese

O metalúrgico americanense Rogério Silone, de 34 anos, chegou à Itália dia 23 de dezembro de 2019 para tirar a cidadania e partir dali para Londres, onde um emprego de mecânico de motos o espera. Imaginou que ficaria dois meses em solo italiano até acertar toda documentação. A pandemia do novo coronavírus (Covid-19) estancou seus planos.

O brasileiro, que tem residência em Nova Odessa, está isolado no apartamento cedido por um amigo em San Donato Milanese, na província de Milão, na região da Lombardia (equivalente a um Estado brasileiro), a mais afetada do país. A Lombardia concentrava, na sexta-feira, 5.402 das 9.134 mortes da Itália, que tem o maior número de vítimas da doença em todo o mundo.

Diante de um confinamento radical, com punições que variam de multa a três meses de prisão para quem estiver na rua sem um motivo considerado essencial, Silone só sai para ir ao mercado, geralmente a cada cinco ou seis dias. Na última vez que foi fazer compras, na quarta-feira, mediram sua temperatura e lhe deram luvas na entrada. “Mediram a temperatura de todo mundo. Se estivesse com febre não entrava no mercado. “

As filas, que semanas atrás eram enormes, agora já estão quase nulas – a regra é entrar de cinco em cinco em supermercados grandes e um de cada vez nos pequenos. Nas prateleiras, não faltam produtos, nem álcool em gel, difícil de achar em vários estabelecimentos da região.

Da sacada do apartamento, que fica em uma via antes movimentadíssima, Silone agora praticamente só escuta sirene de ambulâncias.

“Quase toda hora passa ambulância, isso é constante, a todo momento”, conta o americanense ao mandar à reportagem o vídeo de um veículo de socorro passando na rua, durante a conversa por WhatsApp.

Sua esposa e os dois filhos, uma menina de 14 anos e um garoto de 5, moram em Nova Odessa. A ideia é levá-los para Londres quando conseguir se deslocar até lá – o que não tem prazo, por causa da documentação referente à cidadania e das restrições nos meios de transporte e de ingresso em outros países.

Foto: Arquivo Pessoal
Lombardia concentrava, na sexta-feira, 5.402 das 9.134 mortes da Itália, que tem o maior número de vítimas da doença em todo o mundo

Quarentena tem sido respeitada.

As pessoas podem sair para passear com o cachorro, por exemplo, em um raio de 200 metros de casa, conta Silone. Fora isso, estão liberadas as atividades essenciais (ir ao trabalho, para quem ainda pode trabalhar fora, ao mercado e à farmácia). O policiamento é rigoroso para conter quem tenta burlar o isolamento.

No último sábado, um grupo jogava futebol em uma praça no caminho que o metalúrgico faz para o mercado. “Eles (policiais) abordaram e falaram pra cada um ir pra sua casa.”

As próprias pessoas têm policiado os vizinhos. Recentemente, em um mercadinho onde era liberada a entrada de apenas um de cada vez, Silone viu uma cliente chamar a atenção de outro que não respeitou a regra.

Apesar de viver na região mais afetada do país com mais mortes em todo o mundo, Silone diz não soube de nenhum morto ou infectado perto de sua casa.

A rotina dele, aliás, não tem sido diferente da de muitos brasileiros que se trancaram em casa nos últimos dias. O americanense passa a maior parte do tempo acompanhando notícias sobre a doença. Ele acredita que o dinheiro que levou seja o suficiente para mais cerca de dois meses, e se o confinamento passar disso, conta com a ajuda de amigos.

Nesta semana, Giuseppe Sala, prefeito de Milão, admitiu que errou ao apoiar um movimento de empresários que defendiam que a cidade não pode parar, semelhante à propaganda lançada pelo governo do Brasil – após o Planalto divulgar o vídeo, houve carreatas pedindo reabertura do comércio na região.

Questionado o que acha dos movimentos que querem o afrouxamento da quarentena em sua terra natal, Silone resume com simplicidade. ”Sou contra. Saúde em primeiro lugar.”

‘Humanidade falou mais alto’

Nascido em São Francisco de Paula (RS), o advogado Eduardo de Souza Bertuol, amigo de Silone, de 48 anos, vive há 20  na Itália. Ele conta que, no início, as pessoas ficaram muito assustadas com a questão econômica.  Mas, à medida que as mortes aumentaram, “falou mais alto a humanidade e o senso de solidariedade”. “Se sabe que teremos de enfrentar um período difícil, talvez com racionamento. Mas a escolha era entre a mãe e o pai, o ‘nonno’ e a ‘nonna’. E todos aceitamos o preço a pagar pelos nossos velhinhos”, afirmou o advogado.

“Estamos em casa, organizando as finanças, mas com confiança que seremos os primeiros a ficar limpos. Ou um dos primeiros.”

Na visão do advogado, a quarentena total é a melhor opção, diante de alternativas  mais brandas, como a parcial, praticadas antes por países como o Reino Unido, que já endureceu as regras de confinamento. Mesmo com as opções menos restritivas , acredita Bertuol, a insegurança retrai os investimentos.

“Desta forma, diante dos fatos, a economia dos países será afetada de qualquer forma, a diferença que se observa no momento será o número de mortes e a velocidade com que se poderá iniciar o processo de volta à normalidade, indicando que a quarentena total é a opção que apresenta menos danos.”

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