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Caminhos para Americana

Contratação de servidores e pandemia serão desafios na Saúde de Americana

Saúde é tema com prioridade em planos de candidatos, mas melhorias passam por soluções complexas e inesperadas

Por Marina Zanaki

10 de novembro de 2020, às 08h19 • Última atualização em 14 de novembro de 2020, às 15h11

Apontada como prioritária nos planos de governo de vários candidatos, a saúde pública em Americana tem um desafio claro à frente. Entre as fontes ouvidas pelo LIBERAL, é unanimidade que o setor de recursos humanos é o principal problema a ser resolvido na próxima gestão.

A própria pandemia do novo coronavírus (Covid-19), que trouxe sobrecarga a todo o sistema de saúde, teve no RH sua maior demanda. Se em países da Europa o problema principal foi o acesso a respiradores, em Americana o recurso mais valioso e escasso foram os profissionais da saúde. Dos R$ 16 milhões gastos na cidade com a pandemia até setembro, metade foi com pessoal e encargos.

O problema, que não é recente, tem sido amenizado com contratos temporários e terceirizações, inclusive durante a pandemia. A realização de concursos públicos, que parece ser a solução mais definitiva ao problema, esbarrou nos últimos anos em situações como limite do comprometimento da folha e impedimentos de novos concursos.

Como funciona a saúde pública de Americana? – Foto: Editoria de arte / O Liberal

Secretário de Saúde de Americana, Gleberson Miano elencou que os dois principais desafios da próxima gestão serão recursos humanos e estrutura da saúde para atender ao grande contingente de moradores que usam o sistema público. Ele estimou que metade da população de Americana seja dependente do SUS, o equivalente a 120 mil pessoas.

Dados da ANS (Agência Nacional de Saúde) corroboram essa proporção, já que em junho de 2020 Americana tinha 120.016 beneficiários de algum convênio médico. Desde o início da pandemia, 1.107 pessoas perderam o convênio médico na cidade – em março, eram 121.123 beneficiários.

Desse total de SUS dependentes, o secretário acredita que 70% sejam idosos – justamente o grupo com maior demanda por atendimentos e cujo custeio de um convênio é mais alto.

“Você tem que aumentar uma estrutura que já é deficiente para os casos que existiam fora de pandemia. O SUS mesmo sem a pandemia precisava ser reformulado, com mais financiamento a nível federal. A prefeitura acaba arcando com a maior parte do recurso, cerca de 80%, 75% do gasto na saúde é com recursos municipais”, disse o secretário.

Pandemia
Mesmo passada a fase mais aguda da pandemia, a próxima gestão vai começar os trabalhos diante dos desafios impostos pela doença. Conciliar os doentes pelo coronavírus com procedimentos eletivos, com doenças que foram negligenciadas no período e com uma nova temporada de dengue estão entre as situações que o sistema de saúde terá de enfrentar nos próximos meses.

Considerada uma doença endêmica por ocorrer todos os anos, a dengue pode trazer mais um desafio à saúde pública diante da continuidade da pandemia no ano que vem. Além da possível confusão no diagnóstico, que ocorreu em muitos pacientes contaminados pelo coronavírus, o próprio combate à doença causada pelo mosquito Aedes aegypti também pode ter reflexos.

Hospital Municipal conta com Pronto Atendimento exclusivo para atender casos de Covid-19 – Foto: Marcelo Rocha / O Liberal

Coordenador da Vigilância Ambiental em Saúde, Antonio Jorge da Silva Gomes revelou que o combate à dengue esse ano foi afetado pela pandemia.

Ele citou que o levantamento de dados para o índice larvário foi interrompido temporariamente e que as próprias visitas dos agentes às casas tiveram reflexos. Isso porque houve casos pontuais em que a população, com medo de ter contato com os profissionais, dificultou o acesso aos imóveis.

Leia as reportagens do LIBERAL da série sobre os caminhos e os desafios para Americana:

Abastecimento de água
O desafio de trocar 500 km de rede

Educação
Melhoria passa por contratação de professores

Trânsito
Crise de mobilidade urbana

Economia
A busca pela recuperação na pandemia

Segurança
Delitos em queda, interlocução em falta

Esportes e lazer
Parcerias podem ser ‘ajuda’ para espaços esportivos

Habitação
Apesar de investimentos, fila da casa própria tem 6 mil famílias

Cultura
Sem verbas, prédios históricos estão ocultos

Assim como o coronavírus, a dengue também pode provocar uma sobrecarga no sistema de saúde a depender do comportamento da doença.

Balanço
À frente da pasta há três anos, Gleberson destacou que conseguiu solucionar uma falta severa de médicos nos postos de saúde por meio da contratação de empresa terceirizada.

Ele lembrou que o tempo de espera para uma consulta com clínico-geral chegava a sete meses em algumas unidades, e que por meio da contratação foi possível reduzir esse tempo. O secretário estima que as agendas tenham disponibilidade entre 15 e 45 dias.

Outros destaques feitos pelo secretário foram a contratação de médico psiquiatra para o Caps (Centro de Atenção Psicossocial), que estava em falta na cidade, e a reabertura do posto de saúde da Vila Gallo e do bairro Dona Rosa enquanto o Mário Covas passa por reforma.

“O que tinha de posto fechado não fomos nós. Nossa gestão tentou abrir o máximo de possível de posto. Mas em uma hora tinha o posto, mas não tinha recurso humano. Em outra, tinha os recursos humanos mas o posto precisa ser fechado por problema estrutural”, disse o secretário.

UBS no Jardim Ipiranga, fechada para reformas; unidades são porta de entrada para o SUS – Foto: Marcelo Rocha / O Liberal

Presente em planos de governo de diversos candidatos à prefeitura, a reabertura de unidades de saúde na cidade esbarra atualmente no mesmo problema que causou diversos fechamentos – a falta de profissionais.

Secretário de Saúde de Americana entre outubro de 2016 e abril de 2017, o advogado Orestes Camargo Neves esteve à frente da pasta em um dos momentos mais afetados pela escassez de recursos humanos.

A UPA (Unidade de Pronto Atendimento) São José, que funcionava 24 horas, foi fechada em janeiro de 2017 por falta de médicos para
completar os plantões. O posto do Parque Gramado teve redução no horário de funcionamento, e o pronto-atendimento do Antonio Zanaga também chegou a ser fechado no período, sendo reaberto posteriormente.

“Um problema que tive quando assumi era a falta de médicos. Esse problema, se não está resolvido, pelo menos amenizou com a contratação de profissionais de empresas terceirizadas”, definiu Orestes.

Ele avalia que um dos principais desafios da próxima gestão da saúde será mudar o comportamento da população que busca o Hospital Municipal para resolver problemas que seriam melhor tratados na atenção básica.

Médico e doutor em Saúde Coletiva pela Unicamp, Gastão Wagner de Sousa Campos indicou que uma mudança desse comportamento demanda melhorias nos postos de saúde e investimento nas ESF (Estratégias de Saúde da Família).

Ele citou como exemplo o funcionamento do programa em Campinas e Florianópolis (SC), onde a população consegue contato imediato por meio de um tablet que fica com a equipe, inclusive com orientações feitas por mensagens. No modelo ideal da ESF, as consultas são marcadas em até 48 horas.

“Todas as cidades que investiram na Saúde da Família, a população passa a preferir. Essa cultura muda em um, dois meses. Como quebra esse ciclo vicioso de procurar pronto-socorro? Aumentando o número de equipes”, afirmou.

Segundo dados da Prefeitura de Americana, as atividades executadas pelas equipes de Estratégia de Saúde da Família caíram de 178.472 em 2018 para 36.834 no ano passado. Essa redução foi acentuada em 2019, mas já vinha ocorrendo ao longo dos anos. Em 2014, por exemplo, foram contabilizados 242.381 atendimentos das equipes.

“Os candidatos tinham que prometer chegar a 80% de cobertura de saúde da família, cada equipe atendendo entre 2,5 mil e 3 mil pessoas. Dá muito mais trabalho, mas pronto-socorro é mais caro e para a população é pior, enche de exames e remédio e parece que está fazendo saúde, mas não está”, finalizou o especialista.

Rede
Americana possui 17 postos de saúde, dos quais nove são UBS e oito são Estratégias de Saúde da Família. Há ainda a unidade do posto do Jardim Ipiranga, fechado para uma reforma estrutural e cuja equipe foi transferida para o posto do Jardim São Paulo.

A pediatra Maria Regina Rodrigues Costa, que está há 30 anos na UBS do Ipiranga, defende que todos os postos deveriam contar com uma equipe mínima composta por clínico-geral, pediatra e ginecologista. Contudo, o número de médicos na rede está bem abaixo dessa possibilidade.

Atualmente, a estrutura conta com três médicos ginecologistas – longe dos 27 cargos possíveis. Com número reduzido desses profissionais, o atendimento ginecológico foi centralizado na UBS da Villa Galo.

Na pediatria, a situação também não permite um médico para cada posto de saúde. A rede conta com oito pediatras, longe dos 30 que a legislação municipal criou para essa especialidade.

A contratação de uma empresa terceirizada para fornecimento de profissionais para os postos de saúde diminuiu o tempo de espera por consultas, que chegava a sete meses. Por outro lado, essa solução não resolve completamente o problema, já que não há o preenchimento de todos os horários e a demanda se acumula.

De acordo com Regina, a UBS do Ipiranga conta atualmente com 12 horas de atendimento clínico, divididas entre dois médicos terceirizados que se revezam entre o atendimento da agenda de consultas e o preenchimento de 50 receitas por semana. O médico concursado da unidade está afastado.

Ela avalia que essa atual disponibilidade está abaixo do necessário. Como consequência da falta de equipes completas, ocorre uma busca exagerada pelo pronto-socorro. “Quando não tem facilidade na porta principal, a população vai baixar no pronto-socorro, mas não é resolutivo. Vai acabar voltando mais vezes e com risco de contaminação maior”, afirmou.

“A UBS é a porta de entrada do sistema SUS. Mais de 80% das situações você tem resolução ali mesmo.

Hospital
Uma funcionária do Hospital Municipal elencou como prioritário o diálogo com a Secretaria de Saúde – ela inclusive pediu para não ser identificada por medo de represálias.

Outras medidas que ela destacou como importantes para a próxima gestão também envolvem recursos humanos. A funcionária criticou a contratação de empresas terceirizadas e avalia que os cargos de coordenação e administração devem ser preenchidos levando em conta critérios técnicos.

Soluções
Gleberson disse que, diante da situação de emergência da pandemia e com as restrições legais do uso do dinheiro federal para lidar com a crise do coronavírus, a solução encontrada foi a contratação de uma terceirizada para gerir o pronto-socorro da Covid-19, no HM.

“Esse desafio continua para o ano que vem. A pessoa que assumir a Secretaria vai ter que rever esse modelo, se vai ser possível fazer concurso, se não, se vai continuar com empresas que fornecem mão-de-obra complementar e pensar sempre nisso”, disse o secretário.

A prefeitura não comentou sobre a realização de concursos.

Médico e especialista em Saúde Pública, Gastão Wagner se diz contra a terceirização do serviço público de saúde para organizações sociais.

Ele argumenta que esse tipo de contratação gera descontinuidade no serviço, cria um ambiente ruim de trabalho entre terceirizados e concursados, além de terem sido observados muitos casos de corrupção no País.

Contudo, ele também não defende o atual modelo de concursos para a área da saúde. “A prefeitura deveria buscar modelos mais modernos que não sejam a terceirização e não seja o funcionalismo público tradicional. Ele foi pensado para um sistema de exército, que tem hierarquias. A saúde tem equipes com várias profissões”, explicou.

Como exemplo, ele citou o modelo da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), uma autarquia que contrata por meio de um processo de seleção pública, composto por provas práticas e teóricas. Como vantagens desse tipo de sistema, Gastão citou o plano de carreira, a progressão por mérito e prestação de contas do trabalho realizado.

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