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liberal entrevista

Caminhada para inclusão é longa, diz professora

Professora especializada em Libras explica como se dá a inclusão de estudantes na rede pública de Americana

Por Valéria Barreira

06 de outubro de 2019, às 11h45 • Última atualização em 07 de outubro de 2019, às 08h35

A rede municipal de ensino possui nove pessoas surdas, entre crianças e adolescentes, inseridas no ensino regular. Segunda Fabrine Fernandes, professora de educação especial com especialização em libras e aluna de mestrado em psicopedagogia, quando o assunto é a inclusão desses estudantes, vários avanços foram alcançados.

Ela destaca que o uso de intérprete em sala de aula é um deles. A profissional também cita o AES (Atendimento Educacional Especializado) oferecido aos alunos no contraturno das aulas. Mas segundo Fabrine, ainda é necessário evoluir em muitos outros pontos.

A professora chama a atenção para o envolvimento das famílias e ressalta que a comunicação deve ir além do ambiente escolar. E também defende a presença de um intérprete de libras em estabelecimentos comerciais. Na sua avaliação, todos os setores deveriam avançar nesse sentido.

Foto: Marcelo Rocha / O Liberal
É importante que a família aprenda a língua dos sinais, diz Fabrine

Podemos dizer que as crianças surdas estão de fato incluídas nas escolas do município?

Temos trabalhado bastante para isso e temos conseguido grandes avanços. Claro, sempre tem o que acrescentar e temos ainda uma longa caminhada a percorrer, mas já demos vários passos.

O que você destacaria como avanços?

Os surdos inseridos cuja família aceita libras contam com intérprete. Além disso, eles contam com professores de educação especial que dão apoio e atendem no contraturno. Então, se a criança estuda de manhã, à tarde ela tem atendimento educacional especializado e vice-versa. Se for integral, o atendimento ocorre durante o período. Isso foi um avanço. Outra coisa importante é que os intérpretes são sempre orientados na questão de adaptação de conteúdos e até mesmo de alguns materiais. Na aula de História, por exemplo, o professor conversa antes com o intérprete para passar o conteúdo principal e ele se prepara estudando os sinais específicos e conversa com a professora especial sobre as imagens que podem ser usadas. Então existe uma integração entre o professor do ensino regular e o intérprete.

O aluno surdo frequenta aula regular?

Sim, e tudo o que é trabalhado em sala é interpretado na língua dos sinais para ele.

E para os que não conhecem libras. Como funciona?

Tem crianças que chegam sem conhecer libras e aí também existe um trabalho diferenciado com o professor de educação especial. Mas o primeiro ponto é saber se os pais aceitam. Pela legislação brasileira eles têm essa opção. Quando os pais optam por usar libras, além da criança estar na sala de aula com o intérprete ela vai aprender a língua no atendimento educacional especializado.

E ainda existem muitos pais que não aceitam libras?

Diminuiu bastante. Em geral, no início os pais têm um pouco de receio de que a criança não fale por conta de usar libras, mas nem sempre é verdade. Hoje, muitas crianças têm sido implantadas [implante de um aparelho eletrônico em busca de sensação auditiva, chamado de implante coclear] e com isso tem mais acesso ao que está sendo falado, porém não sabem significar esses tons. Então, num primeiro momento, elas ainda precisam de outros recursos e é aí que a gente fala que é interessante usar libras. O receio dos pais é que as crianças se apeguem somente à linguagem dos sinais e não falem. Mas é um receio inicial. Depois que percebem que não vai prejudicar, acabam aceitando.

E quando não aceitam?

Quando optam pela oralidade a gente tem de aceitar e aí a gente faz um trabalho diferente, com a utilização maior ainda de imagens e materiais concretos. Por exemplo, se quero falar de água pego um copo de água para explicar o que estou falando.

Na sua opinião, o que precisaria ainda ser alcançado?

É interessante, por exemplo, que a família da criança que tenha o intérprete de libras em sala de aula também aprenda a língua dos sinais. Seria importante também que todos os professores e profissionais da educação conseguissem ter acesso ao ensino de libras para que essas crianças tenham mais pessoas com quem se comunicar e não apenas os intérpretes. Um outro avanço seria se as outras crianças também tivessem acesso ao ensino.

O que falta para que isso aconteça?

Faltam mais profissionais qualificados para abranger todo esse público. No momento não temos uma quantidade tão grande assim.

E os profissionais estão interessados em aprender?

Percebo que na educação, pelo menos em relação a libras, o interesse tem sido cada vez maior. Já teve escola onde trabalhei em que todos os funcionários e não apenas os professores queriam aprender.

Como alcançar esse nível?

Primeiro deveríamos investir na formação de profissionais. Existem iniciativas gratuitas, parcerias que oferecem pelo menos o básico de libras, mas ainda é preciso ampliar esse conhecimento. É preciso avançar. Assim como uma língua estrangeira, deveria haver um ensino específico para a língua dos sinais e até custeado pelo governo.

A capacidade de aprendizagem de uma criança surda é prejudicada?

A capacidade cognitiva não é prejudicada pela surdez. O prejuízo só acontece quando essa criança é privada tanto da língua portuguesa como da de sinais. Quando ela tem a privação de todas as formas de comunicação, aí sim a aprendizagem é dificultada.

Que conselho você daria para as famílias dessas crianças?

O primeiro conselho é que procurassem aprender a língua para que pudessem se comunicar cada vez melhor com os próprios filhos e eles se sintam mais acolhidos nesse sentido. Às vezes o adolescente surdo não quer falar algo para o intérprete, mas para a mãe. Então para estreitar a comunicação, as famílias deveriam procurar conhecer língua. O segundo passo é estimular sempre. Nunca deixar essa criança sozinha. Por exemplo, é superimportante ter acesso a outras pessoas que possam se comunicar com ela, levar em lugares onde a comunidade de surdos é presente. A criança precisa ter noção de pertencimento. Precisa entender que não é a única nessa condição.

E no dia a dia, como acontece a comunicação?

O ideal é que a comunicação aconteça em todos os ambientes e não apenas na escola. Esse é outro ponto que precisa avançar. Todos os estabelecimentos deveriam oferecer alguém com conhecimento em libras para atender essas pessoas. Elas enfrentam dificuldades, por exemplo, quando vão a um médico ou a uma loja. Então, todos os espaços precisam avançar em relação a isso.

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