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Americana, 145 anos

As histórias de quatro cientistas de Americana

O LIBERAL conversou com americanenses, de nascença ou coração, que tentam promover mudanças a partir da ciência

Por Isabella Holouka

26 de agosto de 2020, às 20h46 • Última atualização em 27 de agosto de 2020, às 08h54

A crise provocada pela pandemia do novo coronavírus (Covid-19) reforça a importância de que a ciência tenha um protagonismo maior no País.

Enquanto pesquisadores trabalham no desenvolvimento de uma vacina, buscam melhores alternativas de tratamento da Covid-19 e estudam os efeitos da doença no corpo humano, existe a expectativa de que a sociedade valorize tais esforços com maior incentivo ao fazer científico, que vai muito além da área médica.

O LIBERAL encontrou e ouviu as histórias de quatro cientistas de Americana de diferentes áreas: matemática, educação, esporte e paleontologia. Eles contaram sobre pesquisas, inspirações desafios.

Daniel: a matemática por trás de decisões

As pesquisas sobre a evolução e disseminação do novo coronavírus são exemplos de sistemas dinâmicos, estudos matemáticos de objetos que evoluem com o tempo, explica Daniel Smania Brandão, de 46 anos, americanense, graduado, mestre e doutor em matemática e professor do ICMC (Instituto de Ciências Matemáticas e da Computação) da USP (Universidade de São Paulo).

O professor Daniel Smania Brandão, de 46 anos, durante palestra em evento científico – Foto: Arquivo Pessoal

“Eu nasci em Americana e morei na Vila Santa Catarina, depois no Antônio Zanaga II, que nem tinha asfalto na época. E depois naquelas casas antigas da Fepasa [antiga estatal responsável pelas ferrovias paulistas], que ainda existem, na Rua Dom Pedro, da quarta série até terminar o ensino médio”, lembra ele, que sempre estudou em escolas públicas, como a Escola Estadual Heitor Penteado.

“O meu interesse pela ciência começou cedinho, nos anos 80, eu assistia à série Cosmos, em preto e branco, e fiquei muito fascinado pela astronomia, pela ciência, atlas geográficos, fotos de planetas, astronautas”

“Meus pais sempre estimularam. Meu pai trabalhou na Estação Ferroviária de Americana, vendia bilhetes e era muito interessado em montar e desmontar coisas”, conta.

Primeiro da família a ir para a universidade, Daniel ingressou na graduação em Matemática na Unesp (Universidade Estadual Paulista), no campus de Rio Claro.

A recordação escolar de Daniel, ex-aluno da escola estadual Clarice Costa Conti, do Zanaga – Foto: Arquivo Pessoal

Iniciou a vida acadêmica com bolsas de iniciação científica durante a graduação, que emendou no mestrado no IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), no Rio de Janeiro, onde também concluiu doutorado. O currículo de Daniel inclui pós-doutorados nos Estados Unidos e na França.

“Eu nunca tinha viajado, éramos uma família de poucas posses, então foram oportunidades muito importantes”, resume ele.

Com instrumentos simples, papel, lápis, notebook, Daniel estuda sistemas caóticos, apelidados de “Teoria do Caos”.

“É muito difícil prever o que vai acontecer, mas dá para saber mais ou menos com que frequência alguns eventos vão ocorrer, como na previsão do tempo. Um sistema dinâmico muito importante hoje em dia é o aquecimento global. Daqui a 100 anos, será que a temperatura média da terra vai aumentar quanto?”, exemplifica o professor.

Daniel durante cerimônia no ICMC – Foto: Arquivo Pessoal

“Outro é saber o que vai acontecer nessa pandemia. As pessoas estão respeitando o isolamento social? Estão usando máscaras? E qual é o efeito disso? Esses estudos ajudam a decidir que decisões precisamos tomar”, explica ele, em referência às medidas de enfrentamento à doença.

Daniel concorda que durante a pandemia a importância da ciência é evidente, mas afirma que ainda há uma ideia equivocada de que as universidades públicas e a vida acadêmica são difíceis e inacessíveis, o que dificulta a formação de novos pesquisadores.

“De fato existem cursos muito competitivos. Mas muitos outros permitem uma trajetória tão recompensadora quanto. Acho que poderíamos ter mais pessoas de Americana nas universidades públicas”, defende.

Debora: estudos para uma sociedade menos violenta e mais igualitária

“Nesta pandemia, tem ficado muito em evidência a importância das ciências humanas e sociais aplicadas e da educação. Só faz sentido uma sociedade que tem física, química, matemática, economia se a gente se constituir enquanto seres humanos saudáveis, educados, vivos, solidários, fraternos”, opina a americanense Debora Mazza, graduada em pedagogia, mestre em educação e doutora em ciências sociais, com pós-doutorado em sociologia.

“Eu nasci em Americana em 1963 e morei na cidade até cerca de 6 anos. Meus pais eram filhos de imigrantes italianos que vieram para o Brasil no final do século XIX e que se fixaram em pequenos centros urbanos. No caso de Americana, particularmente na indústria têxtil”

“Sempre estudei em escolas públicas, que despertaram em mim uma curiosidade científica, desejo de perguntar, indagar, observar as dinâmicas naturais e sociais”, lembra. “Minha família sempre morou em cidades pequenas do interior, em que as famílias se conheciam, e tiveram uma preocupação com questões sociais, religiosas, atividades acolhedoras e de solidariedade”.

A professora americanense Debora Mazza – Foto: Arquivo Pessoal

O gosto pela coletividade a fez buscar a graduação em pedagogia, na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e a profissão de professora, para a qual se dedicou por diversos anos.

Depois ingressou na vida acadêmica, que teve a educação popular de mulheres e a sociologia da educação do sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995) como temas centrais.

“O que Florestan vai mostrando? Que o direito, a cidadania, a educação, a saúde e o trabalho são elementos fundantes de uma sociedade civilizada. E quanto mais eu estender o acesso a esses bens, serviços, equipamentos, quanto mais eu entender a educação, a saúde, o trabalho, a habitação, a água encanada, como direitos sociais, mais eu construo uma sociedade menos violenta e mais igualitária”, explica Debora, que hoje é docente no Decise (Departamento de Ciências Sociais na Educação) da Faculdade de Educação da Unicamp.

De acordo com ela, a ciência e a tecnologia são importantes para o desenvolvimento de técnicas e de equipamentos. Contudo, para alcançar o progresso e o desenvolvimento, as sociedades precisam formar uma rede de proteção que as tornem mais democráticas e igualitárias e menos violentas.

“Progresso é avançar muito em ciência e tecnologia aplicada ao mercado e à dinâmica produtiva, mas desenvolvimento é distribuir o acesso, o bem-estar e a riqueza que é produzida pelos bens materiais e imateriais a todos os estratos sociais”, defende.

Marco Antonio: a sociologia e a antropologia na ginástica artística

“A ideia é sempre produzir um conhecimento que nos ajude, primeiro a entender a realidade, e depois mudá-la, caso a gente entenda que ela não é adequada”, afirma o americanense Marco Antonio Coelho Bortoleto, de 44 anos, que é graduado, mestre e doutor em educação física, com enfoque na antropologia esportiva.

Marco Antonio Coelho Bortoleto, americanense, mestre e doutor em educação física – Foto: Arquivo Pessoal

“Eu fui ginasta e um dos lugares onde eu me formei foi em Americana. Eu sempre pratiquei muitos esportes, inclusive no Centro Cívico e nas praças da cidade, que eram minhas casas”, conta ele, cuja graduação foi na Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba).

Marco sabia que queria continuar na área esportiva, mas não desejava ser treinador ou gestor. Percebeu o gosto pela investigação e decidiu apostar na vida acadêmica com mestrado na Unicamp e doutorado na Espanha, em Barcelona, estudando a seleção de ginástica artística masculina, que na época se preparava para os Jogos Olímpicos de Atenas (2004).

Atualmente, o pesquisador é professor do DEFH (Departamento de Educação Física e Humanidades) da Faculdade de Educação Física da Unicamp.

Marco Antonio, nas Olimpíadas do Rio, em 2016 – Foto: Arquivo Pessoal

Ele também é o primeiro latino-americano a integrar um comitê na Federação Internacional de Ginástica, sediada na Suíça, com a função de fazer ponte entre o conhecimento científico e a federação.

Segundo ele, um dos seus objetivos é proporcionar conhecimento para que os atletas, treinadores e outros profissionais envolvidos no desenvolvimento esportivo tenham mais qualidade de vida e menos riscos de assédio.

“Ao entender o porquê de os treinadores se comportarem de tal maneira, é muito mais fácil construir, no interior da universidade ou nas federações esportivas, códigos de conduta que ajudem os pais e os ginastas a monitorarem o comportamento deles”, pontua.

Os pesquisadores nesta área esportiva fazem parte dos bastidores. Entretanto, Marco afirma que o problema é a desvalorização do cientista no Brasil, tanto financeiramente quanto socialmente.

“Eu tenho muitos amigos que questionam o que eu faço. Dificilmente as pessoas entendem porque pode demorar 10 ou 20 anos para uma pesquisa se tornar algo material, que possa preservar as pessoas”, comenta.

Se a ciência sairá mais valorizada da pandemia, o pesquisador acredita que vai depender de uma mudança educacional.

“A pandemia mostra que a ciência é realmente fundamental para a vida contemporânea. Mas será necessário mudar a nossa educação básica para que a ciência seja bem valorizada no futuro”

“Um bom cientista ganha muito menos do que um político de baixo nível, e isso não poderia acontecer. Esse tipo de distorção leva tempo, mas eu gostaria de pensar que vai mudar”, finaliza.

Thaís: pesquisas capazes de mudar paradigmas

Há mais ou menos 10 mil anos, o Brasil era ocupado pelo que os cientistas chamam de megafauna, com bichos-preguiça, elefantes e tatus gigantes, em diferentes regiões do território.

Evidências de que seres humanos podem ter convivido com estes animais têm potencial para mudar tudo o que acreditamos sobre como a espécie humana chegou aqui.

“Temos um sítio chamado Santa Elina [no Mato Grosso] onde foram encontrados montes de ossos de bichos-preguiças gigantes juntos com artefatos humanos, com duas idades, de 10 a 11 mil anos e uma idade mais antiga, de 27 mil anos”, explica Thaís Pansani, de 26 anos, americanense de coração, graduada em ciências biológicas, mestre e doutoranda em ecologia e recursos naturais.

A americanense de coração, Thaís Pansani, paleontóloga – Foto: Arquivo Pessoal

“O que aceitamos até hoje é que viemos da América do Norte, e a descida para a América do Sul acreditamos ter sido no máximo há 15 mil anos. O fóssil da Luzia tem cerca de 12 mil anos, e é de fato o crânio de ser humano mais antigo já encontrado na América do Sul”, pontua.

Thais nasceu em Fernandópolis, mas conta que a família se mudou de cidade diversas vezes até se fixar em Americana, que ela considera sua casa, onde completou grande parte dos estudos, até a faculdade.

“Com uns 14 anos eu já assistia muito Discovery Channel, History Channel, e era muito apegada com a questão ambiental, via programas sobre o aquecimento global, derretimento de geleiras, poluição, e eu queria salvar o mundo, mas eu não sabia como”, lembra ela.

Thaís nasceu em Fernandópolis, mas se mudou para Americana, onde concluiu os estudos – Foto: Marcelo Rocha / O Liberal

Assim que iniciaram os estudos de biologia, ainda na escola, ela começou a compreender a paixão pela evolução e pela paleontologia. O foco nesta área iniciou ainda na graduação, na Ufscar (Universidade Federal de São Carlos), onde ela também se tornou mestre e busca o título de doutora.

“Nosso trabalho se divide em três: campo, laboratório e estudo. O paleontólogo vai ao campo uma vez e fica um ano ou dois estudando. Temos um grande trabalho de leitura sobre o tema e de escrita sobre a pesquisa”, comenta ela, que acredita haver poucos pesquisadores brasileiros debruçados sobre as mesmas questões paleontológicas.

“A nossa dificuldade eu acho que é a incerteza de ser cientista no Brasil, o que torna tudo mais difícil. Não é tão difícil ler e publicar. O que é mais desanimador é não termos certeza de que as nossas bolsas vão continuar, de que depois teremos um pós-doc, concurso, trabalho”, desabafa.

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