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Caminhos para Americana

Abastecimento de água em Americana: o desafio de trocar 500 km de rede

Substituição de tubulações pode levar de cinco a dez anos e levanta discussão na cidade sobre a concessão do DAE para a iniciativa privada

Por André Rossi

09 de novembro de 2020, às 08h00 • Última atualização em 14 de novembro de 2020, às 15h13

Pauta constante durante o período eleitoral entre os candidatos a prefeito de Americana, a falta d’água é um problema crônico na cidade. Parte fundamental da solução envolve a troca de quase 500 quilômetros de redes velhas, processo que pode levar de seis a 10 anos para ser concluído nas projeções atuais.

Nesse cenário, surge no debate político quem defenda a concessão do DAE (Departamento de Água e Esgoto) para a iniciativa privada, aos moldes do que aconteceu em cidades vizinhas, como Limeira e Sumaré. O discurso é de que a terceirização tornaria o processo mais célere.

Servidores reparam tubulação de água que se rompeu na Avenida Lírio Correa – Foto: Prefeitura de Americana / Divulgação

Na outra ponta, candidatos pregam a manutenção da autarquia como patrimônio público e a sequência dos investimentos que foram iniciados em 2018 com o prefeito Omar Najar (MDB). Durante praticamente 20 anos, a cidade não teve nenhum programa de troca ou renovação de redes por região, o que agravou a situação.

Em entrevista ao LIBERAL em outubro, o superintendente do DAE, Carlos Cesar Gimenez Zappia, disse que a estimativa atual é de que quase 500 km de redes precisam ser substituídos, o que representa cerca de 40,5% de toda a cidade. O problema está no tipo de material que era utilizado antigamente e que não foi substituído dentro do prazo de “validade”.

As redes de ferro fundido apresentam duas deficiências: incrustação metálica, o que faz com que o tubo se feche, e um processo de desgaste agravado pela ferrugem, que corrói a estrutura de dentro para fora.

Já as instalações de fibrocimento apresentam rachaduras com maior facilidade e são suscetíveis a fissuras, o que provoca vazamentos. O material também se desfaz com facilidade dependendo da característica do solo.

Leia as reportagens do LIBERAL da série sobre os caminhos e os desafios para Americana:

Saúde
Contratação de servidores e pandemia desafiam em Americana

Educação
Melhoria passa por contratação de professores

Trânsito
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Economia
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Segurança
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Esportes e lazer
Parcerias podem ser ‘ajuda’ para espaços esportivos

Habitação
Apesar de investimentos, fila da casa própria tem 6 mil famílias

Cultura
Sem verbas, prédios históricos estão ocultos

O plano de recuperação desenhado pelo DAE em 2018 optou por reestruturar primeiro os alicerces de captação e armazenamento de água. A primeira iniciativa foi a reforma dos quatro decantadores da ETA (Estação de Tratamento de Água), pois estavam defasados e podiam provocar o colapso da rede.

Na sequência, a autarquia realizou a construção de um novo barramento de alçamento de nível do Rio Piracicaba. Inaugurada em julho deste ano, a obra se conecta diretamente com a nova captação de água bruta do rio, prevista para estar em pleno funcionamento neste mês.

Americana tem 14 reservatórios e 4 centros de reservação espalhados; veja a capacidade de cada um, medida em litros – Foto: Editoria de arte / O Liberal

Com essas duas intervenções, o DAE diz que é possível garantir o abastecimento de água até mesmo durante a estiagem. A autarquia investiu ainda na reforma de cinco reservatórios e na construção de quatro novos, aumentando a capacidade de armazenamento.

A cidade produz e consome diariamente 80 milhões de litros e só conseguia guardar 30 milhões. Agora, a capacidade subiu para 40 milhões.

Todas essas intervenções são classificadas pela direção do DAE como a conclusão de um “ciclo de água”. O próximo passo é garantir que o recurso chegue até às residências.

O DAE já iniciou um cronograma de troca de tubulações e adutoras. De 2018 para cá, cerca de 30 quilômetros de rede foram trocados.

Recursos
Questionado pelo LIBERAL sobre o investimento necessário para substituir todas as tubulações defasadas, Zappia disse que é “muito difícil” precisar um valor porque os custos variam de acordo com a extensão e característica de cada região.

“Nós fizemos a troca de 12,5 quilômetros na Vila Santa Catarina a um custo de R$ 2,4 milhões. Nós estimamos que, para fazer 19 quilômetros no São Vito, é um custo de R$ 7 milhões. Não é possível você precisar e dizer ‘por quilômetro, eu gasto tanto’. Depende da região, do tipo de solo, da característica de tipo de solo, de como eu vou ter que trabalhar”, afirmou Zappia.

Com base no cronograma que o DAE tem hoje, a previsão é que toda a rede poderia ser substituída em cerca de 10 anos.

Em outubro, falta d’água generalizada fez moradores apelarem para poços artesianos – Foto: Marcelo Rocha / O Liberal

No entanto, a expectativa da autarquia é viabilizar financiamentos que acelerem o processo devido a maior capacidade de endividamento que a prefeitura conseguiu junto ao governo federal.

Um dos exemplos é o empréstimo que o DAE pretende fazer junto ao Programa Finisa (Financiamento à Infraestrutura e ao Saneamento) para substituição da rede do São Vito. O custo será de R$ 10 milhões, com dois anos de carência para começar a pagar e dez para anos para quitar. A Caixa Econômica Federal ainda analisa a documentação.

“Com financiamentos a gente pode reduzir isso a cinco, seis anos no máximo. Isso é possível. Não é possível você falar assim: ‘você troca em um ano?’. Não. Não tem como você abrir frentes de trabalho para se trocar 400 quilômetros em 12 meses. Nem é viável a execução. Quando a gente fala cinco, seis anos, é garantia. É possível até reduzir, sim, mas não muito
mais do que isso”, comentou o superintendente.

Além do São Vito, o Jardim São Paulo, Jardim São Pedro e Vila Medon são algumas das regiões da cidade que mais necessitam da troca “completa”.

Outros desafios
Além da substituição de redes, o DAE classifica como fundamental a construção de um novo reservatório “pulmão” para a ETA (Estação de Tratamento de Água), com capacidade para 10 milhões de litros d’água.

Tudo que é produzido pela estação é enviado para essa unidade, que manda para os outros 14 reservatórios espalhados pela cidade. O atual pulmão foi criado na década de 70, comporta 3 milhões de litros e apresenta problemas estruturais, inclusive com vazamento.

Um projeto de lei da prefeitura foi protocolado na câmara para autorizar a venda de uma área pública ao DAE para construção do pulmão. O texto chegou a entrar na pauta, mas teve a discussão adiada. A previsão é de que o assunto seja debatido apenas após a eleição. Outros reservatórios estão no planejamento, além de uma automatização na ETA.

Perdas
Paralelamente, o DAE também precisa aprimorar o sistema que identifica a perda de água tratada. A cidade trata em média 900 litros por segundo, com perda operacional de até 5%, o que está dentro dos padrões fixados.

As perdas de reservação estão na casa de 2% a 5%. O problema é que a autarquia não consegue precisar quanto é a perda real (física) ou perda físico-financeiro (como ligações clandestina e vazamentos) na distribuição, pois não possui macromedidores nos reservatórios.

Como é o caminho do Rio Piracicaba até as casas em Americana – Foto: Editoria de arte / O Liberal

“Eu sei quanto sai da ETA, mas não tenho certeza de quanto chega e sai de cada reservatório. Eu não tenho medidores em todos os pontos. Já pedimos um orçamento, temos um projeto novo para se medir tudo”, disse Zappia.

No início de 2018, o acumulado de vazamentos na rede era de três mil pontos. Em meados de outubro deste ano, esse número caiu para 150. O dado é atualizado diariamente com base nas ordens de serviço.

Concessão
Para o advogado, economista, professor e especialista em direito ambiental, Alessandro Azzoni, caso o próximo prefeito de Americana opte por conceder o DAE (Departamento de Água e Esgoto), o mais importante é de que os termos do contrato garantam a vinda de novas tecnologias para a cidade.

De acordo com o especialista, o marco regulatório do saneamento prevê que todos os termos de futuras concessões devem ser avaliados pela ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico). Um dos itens fundamentais para tornar o modelo “viável” para as cidades é a previsão de que toda o investimento será feito pela concessionária.

“Ele vai ter que buscar fonte de recurso para fazer a implantação. Toda questão do saneamento envolve recursos de cifras altíssimas e as vezes o município não tem essa capacidade de levantar e se endividar pela questão da própria lei de responsabilidade fiscal”, ponderou Azzoni.

O modelo segue o que acontece em outras cidades região. Em Limeira e Sumaré, o serviço de água e esgoto é concedido para a BRK Ambiental.

Limeira, inclusive, foi o primeiro município do Brasil a conceder a administração para uma empresa privada. A cobertura de tratamento de esgoto na área urbana é de 100% e o índice de perdas no sistema de distribuição é 15,5%, um dos menores do país.

Já em Sumaré, a BRK assumiu o serviço com o índice de perdas superior a 60%. Cinco anos depois, a empresa fechou o mês de setembro em 31,7%, o segundo menor número da história da cidade. Na prática, isso representa 77 milhões de litros de água que foram preservados somente no mês em questão, suficiente para abastecer mais de mil pessoas por um ano.

Ainda segundo o especialista, a concessão não necessariamente resultará no aumento da tarifa. Novamente, é necessário se ater aos termos do contrato.

“Se você reduz as perdas na distribuição da água, melhora a efetividade no tratamento de água, a tendência é você baratear o preço, não aumentar. Então os termos da concessão serão muito importantes”, reforçou Azzoni.

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