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LIBERAL Entrevista

As polêmicas que cercam o exame de toque e PSA

Chefe da Divisão de Detecção Precoce do Inca, médico explica porque fazer exames de rotina para câncer de próstata é motivo de controvérsia

Por Marina Zanaki

24 de novembro de 2019, às 08h29 • Última atualização em 27 de abril de 2020, às 11h00

O Inca (Instituto Nacional do Câncer) não recomenda a realização dos exames de rastreamento – toque retal e PSA (sigla em inglês para Antígeno Prostático Específico) – para identificação de câncer de próstata. Segundo o instituto, há poucas evidências que sua realização de forma massiva diminua a mortalidade pela doença.

Médico sanitarista e epidemiologista, o chefe da Divisão de Detecção Precoce e Apoio a Organização de Rede do Inca, Arn Migowski, explica que a busca ativa por câncer de próstata é controversa. Ele apontou que ela pode acabar gerando a identificação e o tratamento de tumores que não trariam prejuízo à saúde.
Por outro lado, submeter o paciente a cirurgias e radioterapias de forma desnecessária pode provocar transtornos como disfunção erétil e incontinência urinária.

Foto: Divulgação
Arn Migowski é chefe da Divisão de Detecção Precoce e Apoio a Organização de Rede do Inca

Por qual motivo o rastreio de câncer de próstata não é recomendado pelo Inca?

Rastreamento são exames de rotina em pessoas sem sinais e sintomas de doença. Embora seja uma prática muito comum, tem-se poucas evidências de que seja recomendável para câncer. Existe uma crítica geral científica de exames de check-up sem muito critério. No câncer de próstata são extremamente populares, tanto de toque retal quanto PSA. As campanhas do Novembro Azul costumam chamar homens para fazer exames de rotina. Tanto o Inca quanto o Ministério da Saúde e OMS (Organização Mundial da Saúde) não indicam. A gente se baseia no benefício – se aquilo evita que se morra de câncer – e balanço entre riscos e benefícios.

O que se sabe sobre os benefícios?

Temos dois grandes ensaios clínicos, um deles nos Estados Unidos que não mostrou benefício nenhum de se fazer rastreamento, e tem algumas controvérsias envolvendo isso; e um europeu que mostra que se tem um pequeno benefício. Juntando os dois estudos, a impressão que se tem é que não se tem benefício. Isso em relação ao PSA, em relação ao toque retal não existe nem essa evidência que se tenha algum benefício. Não que não seja importante enquanto exame, mas para ser feito de rotina sem nenhuma queixa do homem, como rastreamento, não tem evidência científica de qualidade que respalde isso.

Quais os riscos?

Tanto toque retal quanto PSA não têm riscos em si. O problema é a sequência de eventos. O que acontece é que esses exames têm número de falso positivo, você acha que tem alteração, mas na verdade não era. Vai fazer uma biópsia da próstata e não confirma como câncer. E a biópsia sim tem um percentual de complicações: dor, sangramento, infecção, então não é totalmente inócuo. Três em cada mil homens que fizeram biópsia tiveram que internar por complicações mais sérias. Fora a ansiedade que dá um resultado positivo, isso é um problema. A questão é que o paciente não tinha nada. Deu um resultado errado o PSA ou toque e faz uma investigação mais invasiva desnecessariamente. O outro ponto é um pouco mais complicado de explicar, chama-se sobrediagnóstico sobre tratamento. É um excesso de diagnóstico e de tratamento que não ocorreriam se o homem não tivesse feito rastreamento. Existe uma quantidade muito grande de câncer de próstata que nunca iria evoluir, o homem ia morrer de outra causa e aquele câncer ia ficar na próstata. Há estudos de autópsias que mostram percentual muito alto de câncer de próstata de pessoas que morreram de outras causas. Mas como começou exames de rastreamento descobriu-se tumores que não iam evoluir. A medicina não tem a certeza se vão evoluir ou não, ou se trata logo ou fica acompanhando com biópsias, exames que têm suas imprecisões e riscos, e isso gera o fenômeno de tratar em excesso. O tratamento tem suas complicações e há todo o estresse do diagnóstico de câncer de próstata.

Quais os riscos dos tratamentos?

Os tratamentos são cirurgia ou a radioterapia. Os riscos principais são a disfunção sexual erétil, que pode ser prolongada. E o outro mais comum é a incontinência urinária. Há situações em que o tratamento não seria necessário, mas individualmente não tem como saber isso. Se você concorda em fazer o rastreamento deveria estar ciente desses riscos para tomar decisão compartilhada. O Inca não preconiza que sejam convocados homens em campanhas para fazer esse exame de rotina. Caso venha pedir a gente recomenda que seja feito processo de decisão compartilhada.

O Inca recomenda a realização desses exames de forma rotineira entre quem tem histórico familiar?

Teoricamente, se tem risco mais elevado teria maior benefício de fazer check-up, mas não tem estudo conclusivo e é complicado dar recomendação específica. Muitas vezes a história familiar não reflete o risco hereditário e sim um hábito cultural da família de se fazer exames de rotina.

A espera do aparecimento de sintomas para os exames como PSA e toque retal pode fazer com que o câncer seja identificado em estágio adiantado?

Corre risco. Na verdade não tem uma situação ideal, infelizmente não temos um exame de rastreamento bom de câncer de próstata que diferenciasse o caso mais agressivo desse que não evoluiria. O câncer geralmente demora para dar sintomas pela localização e os sintomas são inespecíficos. Então a gente recomenda sempre que ao notar sinais e sintomas de alerta, que busque um médico para diagnóstico. Se criou toda uma expectativa de que seria bom [o rastreamento], mas fez-se estudos e foi um pouco frustrante nesse sentido.

O índice diagnóstico tardio é alto?

Tem alguns estudos internacionais que o Brasil fornece dados de sobrevida que mostram que aumentou a sobrevida pós-diagnóstico no País. É complexo. Essas estatísticas são influenciadas pelo próprio rastreamento. Ele é muito praticado no Brasil embora não seja recomendado. Tem até estudo que devemos publicar que mostra isso, que inclusive rastreamento por toque retal é muito comum. Tem muito caso diagnosticado precocemente por rastreamento, e tem esse problema junto do sobrediagnóstico.

Qual a orientação em relação à prevenção ao câncer de próstata?

É uma doença multifatorial e alguns fatores de risco não são conhecidos. Um fator é a idade. Como a expectativa de vida vem aumentando nas últimas décadas no Brasil, o câncer ficou mais comum. Mas têm alguns fatores de risco modificáveis, como sobrepeso e obesidade. Ter alimentação saudável e atividade física regular diminui risco de ter câncer de próstata ao longo da vida.

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