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Política

Recuo de Bolsonaro aos protestos de 15/3 foi político, diz cientista

Por Agência Estado

14 de março de 2020, às 12h05 • Última atualização em 14 de março de 2020, às 12h16

O recuo do presidente Jair Bolsonaro do apoio às manifestações contra o Congresso e o Judiciário, marcadas para amanhã, não encerra a disposição do presidente de pressionar os outros Poderes, avalia o cientista político Luiz Werneck Vianna, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio).

O pesquisador vê nos atos, que foram desmobilizados, “uma tentativa de forçar os limites da institucionalidade para rompê-la”. O objetivo seria “totalizar a política por um projeto de poder”, sem objetivo. Segundo ele, diferentemente do que ocorreu no governo de Jânio Quadros (1961) e na ditadura (1964-1985), a iniciativa autoritária que ele atribui a Bolsonaro não tem programa. “É o poder pelo poder, para acumular poder”, disse o cientista político ao jornal O Estado de S. Paulo.

O recuo do presidente sobre os atos foi apenas “físico”, por causa do coronavírus, ou político?

 

Foi político. Ele sentiu o esvaziamento. O coronavírus foi a sopa no mel.

Isso encerra o episódio ou o presidente tende a, mais adiante, retomar esse enfrentamento das instituições?

 

Essa coisa vai ser retomada, sim, quando ele encontrar condições favoráveis. Faz parte da natureza desse regime. É destruir as instituições da democracia política. E com apoio de massas.

Como o sr. analisa a convocação do ato que foi suspenso?

 

Há uma tentativa de forçar os limites da institucionalidade para rompê-la. Há uma estratégia por trás, que é a conquista do poder político total. Há uma tentativa de totalizar a política brasileira por um projeto de poder. Porque programa político não há. A luta é pelo poder. Ele quer todo o poder possível, acumular poder, maximizar poder. O limite do poder é o poder.

Isso tem precedente na história do Brasil?

 

Tem precedente, sim, mas havia um programa envolvido. Agora não tem programa nenhum… Jânio (Quadros, presidente em 1961 por sete meses, até renunciar) tinha um programa. Terceiro-mundista lá, aquela época do Terceiro Mundo, naquele contexto. Agora, não tem. Qual é o programa? O próprio regime militar, que não apelou às massas, mas quando tomou todo o poder para si tinha um programa, de modernização por cima da sociedade.

O sr. acha que nesses atos o presidente poderia se dirigir diretamente às pessoas?

Acho que há, na verdade, um projeto de fascistização do poder político no Brasil. Não tem programa econômico, não tem programa social, não tem programa de sociedade, de País, de nada. Quer o poder todo. Para quê? Conservar poder, mando.

E as pessoas comuns envolvidas nisso? O que as move?

 

Às elites econômicas interessaria o caminho de eliminação de obstáculos sociais à acumulação. Agora, mas só isso? A esta altura, não nos basta. A economia não tem andado. Não tem obstáculo nenhum diante dela. Não anda porque não tem agentes econômicos interessados, envolvidos, não tem sociedade para isso. Este governo não tem programa econômico. Tem um programa político, de extrair o máximo de poder possível de todas as fontes existentes de poder. Para exercer o poder total.

Mas tem muitas pessoas comuns, não empresários, que são entusiastas do presidente.

 

Essas perguntas poderiam ser feitas à expansão do fascismo na Itália, do nazismo na Alemanha… Bom, o nazismo teve as compensações do emprego, da ordem. Mas essa pergunta não sei responder. O que as pessoas estão querendo com isso…

Chamar os atos seria uma forma de Bolsonaro manter a narrativa “rebelde”, de “mito”?

 

Eu não compartilho da ideia de que esse governo está tonto. Esse governo tem um projeto, o de conquistar todo o poder político para si. Quando conseguir isso, vai conservar isso. Para quê? Eles não sabem, não têm programa.

Com muita frequência, o presidente dá uma declaração controversa, polêmica. Aí tem uma reação e ele se corrige, volta atrás…

 

Mas volta atrás sempre em um movimento de dissimulação. Porque o norte permanece. Qual é o norte? É a conquista de todo o poder político. O caso aí dessa moça (a atriz Regina Duarte) que está na Secretaria de Cultura… Está aí em uma circunstância muito particular. Mais dia, menos dia, ela vai ser ejetada.

Quando vai e volta, ele hesita ou é método para testar reações?

 

É um método. É um método de teste de força. Porque o objetivo é, sempre, puramente político. Agora, vem cá. Tem uma realidade nova no País. Tem uma ralé. Essa ralé pode ser tornar uma base social de apoio a ele.

Quem seria essa ralé?

 

São os desapropriados de tudo. Não é só pobre, não. É classe média também. É ressentimento e falta de valores. A sociedade abdicou de valores, deixou-se perverter. Há agentes de perversão nisso.

Hannah Arendt fala em ralé, que seriam pessoas de todas as classes, mas não deram certo.

 

Isso, no sentido mesmo que Hannah Arendt fala.

O presidente ataca a imprensa profissional. A que atribui isso?

 

A imprensa profissional expressa interesses organizados. Ele quer desorganizar tudo. Precisa de um vácuo, um vazio.

Para o sr., as instituições estão ameaçadas?

 

Ah, estão. Tenta-se destituir as instituições. As instituições têm resistido. O fato é que a imprensa tem se comportado de forma muito valorosa. Os articulistas. A situação está cada vez mais clara. Estão pondo a nu as circunstâncias em que estamos envolvidos. Agora, depende de uma força política que interrompa essa maluquice, né?

Existe essa força?

 

Por ora, não existe.

O que explica que o presidente tenha chegado lá? A Lava Jato?

 

A Lava Jato ajudou muito, né? Porque minou as instituições, minou os partidos, desmoralizou a política.

Outros países já passaram por processos assim?

 

É, vamos ver se vai ter (Benito) Mussolini (ditador fascista da Itália de 1922 a 1945) aí. Não tem Mussolini, porque Mussolini era um homem preparado, tinha programa. Aqui, é um fascismo nu.

No curto prazo, acha que a política brasileira tem condições de se fortalecer? Ou vamos ficar na situação atual por muito tempo?

 

Depende de lideranças. Quer dizer, as nossas lideranças estão muito velhas. Estamos muito longe de um Ulysses Guimarães, estamos muito longe de um Tancredo (Neves).

Não existem hoje líderes novos fortes?

 

Ainda não tem, mas vai aparecer. O sapo pula por precisão, não por boniteza.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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