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Política

Lei de deputado beneficia empresa da qual é sócio

Por Agência Estado

02 de dezembro de 2019, às 07h50 • Última atualização em 02 de dezembro de 2019, às 09h32

Uma lei de autoria do líder do governo na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), deputado Carlão Pignatari (PSDB), beneficiou uma empresa da qual ele é acionista e prejudicou um laboratório público estadual que integra o Hospital das Clínicas (HC). Com uma mudança na Política Estadual de Medicamentos, a lei praticamente impediu o governo de vender um sofisticado produto hospitalar para entidades filantrópicas, e assim eliminou o principal concorrente da companhia da qual o deputado é investidor.

De acordo com sua declaração de renda, Carlão tem R$ 625,6 mil em ações da Indústria Brasileira de Farmoquímicos (IBF), com sede em São José do Rio Preto (SP). Em 2011, ele chegou a presidir uma assembleia geral de constituição da empresa, com presença de todos os acionistas fundadores.

A IBF é um dos três laboratórios paulistas com registro na Anvisa para fabricar o produto FDG (18 F), essencial para o exame PET-CT – tomografia usada no diagnóstico de câncer. Hoje, no entanto, o mercado desse insumo no Estado é disputado apenas pela IBF e pela Cyclobras, de Campinas. A mudança na legislação barrou as vendas do FDG pelo Instituto de Radiologia (InRad) do HC, ligado à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Com produção própria, o instituto comercializava sobras que não eram usadas internamente no hospital. A receita das vendas bancava a produção e uma série de pesquisas científicas em medicina nuclear.

“Para fazer uma ou 100 doses, é o mesmo custo”, diz o diretor executivo do InRad, Marco Bego. “Não tinha nenhum custo para a rede pública, nem para o HC. Era uma das poucas áreas do HC que só dependiam da sua operação.” O InRad vendia o insumo para 12 hospitais filantrópicos da capital – entre eles o Albert Einstein, o Sírio-Libanês e o Oswaldo Cruz. A venda para entidades particulares era feita por meio da Fundação para o Remédio Popular (Furp), ligada à Secretaria Estadual de Saúde.

A lei proposta por Carlão restringiu a venda do governo para entidades filantrópicas apenas “para uso exclusivo no diagnóstico ou tratamento de pacientes atendidos pelo Sistema Único de Saúde”. Na prática, os hospitais não conseguem separar o produto só para pacientes do SUS. Isso resultou na suspensão das compras de todos os hospitais conveniados com o InRad.

O corte de receitas levou o HC a cogitar o fechamento do centro de pesquisas, que teve investimento público de R$ 7,7 milhões. Até a alteração, o laboratório não precisava de aporte do governo. A receita do InRad com a venda das sobras do FDG era estimada em R$ 700 mil por mês, o suficiente para cobrir os custos da equipe e da manutenção e investir em pesquisas.

Suspensão

A Cyclobras, única concorrente da IBF após a edição da lei, chegou a ter a venda do produto suspensa em outubro pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), que regula a produção de produtos radiofármacos no País. Durante seis dias, enquanto durou a suspensão, a IBF se tornou a única fornecedora do insumo em todo o Estado de São Paulo. Procurada pela reportagem, a CNEN não respondeu sobre os motivos para a suspensão.

À reportagem, a Secretaria de Saúde disse que não identificou nenhuma outra consequência da lei para a rede pública. Os prejuízos ficaram restritos ao HC.

Ao longo deste ano, Carlão compareceu a várias sessões da Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou a Furp na Alesp, apesar de não ser membro efetivo da CPI. O governador João Doria (PSDB) já declarou que tem a intenção de repassar as fábricas da fundação para a iniciativa privada.

Após tramitar como projeto de lei, a proposta do deputado foi vetada em 2017 pelo então governador Geraldo Alckmin. O governo alegava que a medida era inconstitucional, pois criaria desigualdade no acesso aos medicamentos, e que a política do SUS “é regida pelo princípio da universalidade, que garante pleno acesso aos serviços de saúde estatais, não sendo lícito fazer qualquer tipo de distinção entre seus usuários”.

O texto tramitou por mais de um ano e meio na Alesp até o veto ser derrubado. O projeto foi incluído em um pacote votado em sessão extraordinária, em dezembro de 2018, na chamada “janela do fim de ano”.

Fontes de hospitais particulares estimam que, desde então, o preço do FDG já subiu cerca de 15%. O produto custa cerca de R$ 700 por exame. Considerados apenas os principais hospitais filantrópicos da capital, há uma demanda de ao menos mil exames PET-CT ao mês.

Para esses hospitais, não só o custo do produto ficou mais elevado como é necessário comprar em maior quantidade dos laboratórios IBF e Cyclobras, localizados no interior paulista. Isso porque o FDG, como qualquer produto de medicina nuclear, é altamente perecível. O InRad tinha a vantagem de estar localizado na capital.

O FDG é fabricado com um acelerador de partículas, chamado cíclotron, próprio para a produção de insumos da medicina nuclear. Desde que a lei impediu a venda, o InRad tem de se manter com o dinheiro do faturamento em anos anteriores. As reservas devem durar até fevereiro. “Ou a gente fecha o cíclotron e começa a comprar FDG para o HC e para as pesquisas em andamento, ou a gente arranja alguma forma de voltar à operação original, autossustentável”, disse Marco Bego, da Inrad.

Defesa

Procurado, o deputado Carlão Pignatari não quis comentar sobre o fato de ser acionista da IBF. Por meio de nota, limitou-se a dizer que “a lei em questão não proíbe o Instituto de Radiologia de vender 18F-FDG aos hospitais filantrópicos de SP, como o Einstein, Sírio-Libanês e HCor; sequer trata dos negócios do InRad (do HC)”. O deputado disse ainda que “tratar a questão dessa forma confunde os leitores do jornal com uma informação inverídica e tendenciosa. Nem mesmo a Furp produz o 18F-FDG”.

“A medida legislativa foi estabelecer que um órgão público como a Furp deve se dedicar, prioritariamente, ou mesmo, exclusivamente, à saúde pública, aos pacientes do SUS, principalmente àqueles que não têm recursos para pagar do próprio bolso ou convênios médicos.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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