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Política

CPI em SP vira trincheira da causa animal

Por Agência Estado

27 de outubro de 2019, às 08h14 • Última atualização em 27 de outubro de 2019, às 11h42

Policiais que trabalham na segurança da Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) ficaram em alerta nos últimos meses. Deputados estaduais foram cercados por grupos sob intensa gritaria e se tornaram alvo de ofensas nos corredores da Casa e nas redes sociais. Houve o registro de pelo menos uma ameaça. O acesso a reuniões então passou a ser controlado por soldados da PM, tapumes bloquearam a entrada de sessões, e parlamentares optaram por andar escoltados.

O motivo é a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Venda de Animais, que investiga irregularidades na criação e comércio de cães, gatos e outros pets. Após boatos de que a comissão poderia recomendar a proibição da venda, a Assembleia passou a receber caravanas com centenas de criadores de animais e representantes de ONGs protetoras dos bichos.

Enquanto os criadores veem na CPI uma ameaça ao seu trabalho e sua fonte de renda, os ativistas condenam os maus-tratos e pedem a criminalização de quem submete animais a situações degradantes.

Os deputados, surpreendidos pelos confrontos sobre o tema, dizem que a intenção é apenas regulamentar um setor em que não há regras nem punições claras. A proibição do comércio de pets não foi tema central das reuniões, mas uma visita de deputados a um canil em situação considerada precária desencadeou uma onda de hostilidades.

“Tenho vídeos das pessoas falando que vão acabar comigo”, conta o relator da CPI, deputado Delegado Bruno Lima (PSL). A situação piorou após a Câmara de Vereadores de Santos, no litoral, aprovar uma lei que proíbe a venda de animais a partir de 2020. Criadores chegaram a usar um trio elétrico em frente à Alesp, para protestar em alto e bom som.

Em um dia de reunião da comissão, assessores do deputado Lima encontraram no chão do gabinete um papel com a seguinte mensagem: “Ou você abandona a CPI dos animais ou irá sofrer as consequências, deputado medíocre”. O recado havia sido passado pelo vão da porta de entrada.

Relator da CPI, o delegado da Polícia Civil se destacou nas redes sociais no “caso Manchinha”, quando um cachorro foi morto a pauladas no estacionamento de um supermercado em Osasco, em novembro do ano passado. Bruno Lima foi até o local, conversou com testemunhas e acompanhou de perto o processo, que acabou com o estabelecimento comercial assinando um Termo de Compromisso em que se comprometeu a pagar R$ 1 milhão a um fundo destinado à proteção animal.

Com mais de 680 mil seguidores em sua página no Facebook, ele participa com frequência de diligências para o resgate de animais, e costuma divulgar nas redes sociais. Afastado da polícia para exercer o mandato, Lima tem ido a Brasília para defender um projeto de lei federal que aumentaria a pena para os crimes de maus-tratos e mutilação de animais. Hoje, a punição vai de três meses a um ano de reclusão, e a bancada pró-animais quer prisão de até quatro anos.

“Particularmente, eu sou contra o comércio de animais, mas hoje estou trabalhando como relator e, meu objetivo ali é ficar um pouco mais neutro”, afirmou o deputado. “A gente escuta todo mundo e prepara um relatório final.” As sugestões que o parlamentar pode fazer no relatório da CPI geraram apreensão e boatos, que também foram explorado nas redes sociais.

“Chegaram a achar que nós iríamos proibir cães-guia”, afirmou o presidente da CPI, deputado Bruno Ganem (Podemos), também eleito com a bandeira da defesa dos bichos. “Trouxeram alguns deficientes visuais aqui, na última reunião, e foi bastante constrangedor. Temos total respeito (pelos deficientes visuais), e as pessoas estavam ali achando que, por algum motivo, nós éramos contra eles terem a possibilidade do suporte do cachorro. É um absurdo, nunca se cogitou isso.”

Para ele, “existe uma falsa polêmica na CPI”. Ganem chama atenção para a falta de regulamentação do setor de comércio de animais. Segundo dados da comissão, há menos de cem criadores certificados pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV), mas o número de empresas do ramo registradas na Junta Comercial ultrapassa 1,9 mil. Até representantes do setor concordam que uma legislação é necessária.

“Somos contra qualquer tipo de maus-tratos e favoráveis à regulamentação. Lutamos pelo bem-estar animal, mas é fundamental a preservação da criação”, disse o coordenador da Confederação Brasileira de Cinofilia (CBKC) Renato de Almada. “Parece que no transcorrer dos trabalhos houve um desvirtuamento da CPI, talvez até por força de outras entidades contrárias à criação. Passou-se a discutir, mesmo que de forma velada em alguns casos, a proibição da criação como forma de resolver o problema.”

Trégua

Após semanas de briga, um momento de conciliação veio na última reunião da CPI. O relator garantiu que levará em conta as recomendações de todos os grupos que compareceram às oitivas. Ele chamou todos para comparecer às reuniões em seu gabinete que têm embasado tanto o relatório da comissão quanto o projeto de lei que deve sair dela.

“É importante a participação de todos para enriquecer o debate”, disse. Houve suspiros aliviados. Quase todos elogiaram o progresso e o clima repentino de tolerância. “Saio dessa CPI uma outra pessoa, vendo um mundo para o qual nunca tive olhos”, afirmou o deputado Márcio Nakashima (PDT) na reunião.

Não há previsão, por enquanto, de mudanças no esquema de segurança da Alesp. A comissão deve funcionar até a primeira semana de novembro, e, até lá, a PM ficará em alerta nos dias de sessão para evitar novas confusões. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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