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Política

A ciência que ‘engana para o bem’ chega à gestão pública

Por Agência Estado

26 de janeiro de 2020, às 15h00 • Última atualização em 26 de janeiro de 2020, às 17h56

Na véspera do simulado da prova do Sistema de Avaliação da Educação Básica de 2019, milhares de pais da cidade do Rio receberam o mesmo áudio de WhatsApp. A voz era da própria secretária de Educação, que se identificou como “Talma, secretária de Educação, professora e mãe de aluno de escola pública do município do Rio de Janeiro”. Seguindo um roteiro, ela incentivava os responsáveis a repassarem para os filhos uma imagem de encorajamento em relação à prova.

Longe de ser uma “corrente” institucional, o áudio fez parte de um experimento realizado com a NudgeRio, unidade de ciência comportamental vinculada à Secretaria Municipal da Fazenda, e aumentou em mais de 4% a nota dos alunos que o receberam.

Conhecida no setor privado e na academia, a ciência comportamental começa agora a ocupar o terreno da política pública brasileira. As cidades de São Paulo e do Rio já contam com unidades que se dedicam a estudar e a testar como “empurrõezinhos” ou “cutucões” nas escolhas das pessoas podem contribuir para aumentar a eficiência de programas municipais. No governo federal, a abordagem foi utilizada em projetos específicos e passou também a fazer parte do repertório do GNova, laboratório de inovação da Escola Nacional de Administração Pública (Enap).

O nudge, um dos instrumentos da ciência comportamental, é definido pelo professor da FGV Bruno Giovannetti como uma maneira de direcionar as decisões das pessoas sem usar proibições, “enganando-as para o bem”. “No supermercado, um exemplo disso é colocar os alimentos menos saudáveis num lugar da prateleira menos visível. Não é que o alimento está proibido, ele só não está logo no olho da pessoa”, afirmou.

Em São Paulo, o uso dessa abordagem teve início na metade de 2018. Vinculado à Secretaria Municipal de Inovação e Tecnologia, o Laboratório de Inovação em Governo, o 011 Lab, concluiu recentemente a primeira avaliação de impacto de um projeto desenvolvido pelo grupo. Foram testadas mudanças na comunicação entre atendentes do Hospital do Servidor e pacientes durante o agendamento de consultas e exames, como um roteiro de ligações com falas específicas. Para criar um vínculo de responsabilidade maior, por exemplo, frases simples – como “o senhor pode ligar pra gente caso não possa comparecer?” – se mostraram eficientes.

As mudanças testadas reduziram em 12% o porcentual de faltas em consultas sem aviso. Em um ano, isso equivaleria a 2.500 consultas a mais no hospital. Com uma reformulação interna do procedimento de atendimento do hospital, no entanto, a nova metodologia não chegou a ser efetivamente aplicada.

‘De baixo para cima’

Segundo o especialista em políticas públicas e gestão governamental da Enap Antonio Claret Campos Filho, o Brasil ainda não conta com uma estrutura institucional ampla de aplicação de ciências comportamentais. Em sua visão, essa frente avança “de baixo para cima, a partir de projetos de inovação”.

No âmbito federal, o GNova, laboratório de inovação da Enap, está atualmente com um projeto de ciência comportamental em parceria com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Os protótipos desenvolvidos incluem um novo modelo para as bandeiras tarifárias.

Além disso, a abordagem já foi utilizada em programas específicos de governo. Caso do próprio Bolsa Família, que aplicou a técnica para oferecer educação e inclusão financeira a famílias de baixa renda. “A gente já tinha feito um projeto (de educação financeira) com os beneficiários que não deu o resultado esperado. A partir disso, pesquisamos referências internacionais e rapidamente nos deparamos com a ciência comportamental”, afirmou a diretora de benefícios do programa, Caroline Paranayba.

Segundo Caroline, o projeto de ciência comportamental e educação financeira teve uma edição piloto entre 2013 e 2017 e culminou na criação de três “tecnologias sociais”, materializadas em objetos físicos adotados durante as oficinas: um cofre, uma agenda e uma carteira da família. A ideia era lidar com o viés de curto prazo das decisões financeiras das famílias e seus impactos no dia a dia.

“Isso traz visibilidade de onde vem o dinheiro e para onde vai. Fica mapeado, por exemplo, o dízimo (doações a igrejas), que notamos que era um gasto que as pessoas não identificavam”, disse.

A avaliação do projeto, que contou com grupos de controle e de tratamento, mostrou que as famílias que passaram pelas oficinas tiveram um aumento de quase 40% da capacidade de financiar as próprias situações de emergência, e a poupança dessas residências aumentou em mais de 70%. Com resultados positivos, a metodologia chegou a ser replicada em 2018 e 2019.

De iniciativas pontuais a unidades institucionais de ciência comportamental, ponto comum que os gestores que atuam na área destacam é a dificuldade de inovar no setor público. “Enquanto no setor privado você pode fazer tudo aquilo que não está proibido pela lei, no setor público você só pode fazer o que está previsto pela lei, e inovar é justamente fazer aquilo que não está previsto”, observou o diretor da NudgeRio, José Moulin Netto.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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