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Mundo

Líder de Hizmet vive exilado na Pensilvânia

Por Agência Estado

07 de agosto de 2019, às 08h57 • Última atualização em 07 de agosto de 2019, às 11h29

Ninguém sabe exatamente qual a idade dele. Pelos documentos oficiais, tem 78 anos, mas é mais velho do que isso. O registro foi feito anos depois do nascimento, quando um de seus irmãos mais novos nasceu. Pouca gente o vê hoje em dia. Com diabetes e doenças no coração, ele raramente sai nas ruas do pacato condado onde mora, em Poconos, na Pensilvânia.

Alguns vizinhos nunca o encontraram, apesar de Fethullah Gülen viver na região há 20 anos. Desde 2016, a calmaria aparente da vida do clérigo muçulmano moderado contrasta com a turbulência que a ligação a seu nome causa a seus apoiadores.

Gülen é o expoente do movimento Hizmet – que significa “servir”, em turco. Desde uma tentativa de golpe na Turquia em 2016, o grupo foi classificado como movimento terrorista por Recep Tayyip Erdogan. Os integrantes do Hizmet, que já apoiaram Erdogan, viraram alvo de perseguição política e foi assim que Ali Sipahi, naturalizado brasileiro, foi preso em São Paulo em abril. Atualmente, há 300 turcos ligados ao Hizmet morando no Brasil que esperavam por uma decisão negativa do Supremo Tribunal Federal sobre o pedido de extradição de Sipahi como um sinal de segurança.

O retiro de Gülen fica a cerca de 1h30 de carro de Nova York em um local isolado, mas de fácil acesso. A ideia é possibilitar as visitas de grupos de estudantes ou simpatizantes do Hizmet, que só entram com hora marcada. Quando a reportagem visitou a propriedade, em uma tarde quente, Gülen não apareceu nas áreas comuns do local. Ele costuma ficar em um dos dois cômodos privados que possui na propriedade e sai de manhã, para as conversas com quem está no local. Antes, vivia em um prédio de madeira, mas as ameaças via redes sociais fizeram com que ele se mudasse para o edifício ao lado, dentro do retiro, mais seguro. Uma das salas que usa como escritório tem a bandeira da Turquia, tapetes de pele de animal no chão, cadeira de trabalho, uma cama, livros e presentes.

Medo

Três adultos sentados em torno de uma fonte visitavam o retiro na ocasião. Um deles, professor em uma universidade americana, posou para uma foto. Minutos depois, veio o pedido para que a imagem e nomes não fossem divulgados: os parentes na Turquia podem ser perseguidos se comprovada a ligação ao Hizmet.

Alp Aslandogan é um dos principais assessores do clérigo. Presidente da Alliance for Shared Values, ele vive em New Jersey, mas conhece todas as partes do Golden Generation Retreat and Worship Center: os oito prédios que abrigam as famílias visitantes, os dois que reúnem as atividades principais e a área de lazer aberta no meio da mata, onde algumas crianças brincavam. Aslandongan descreve Gülen como um líder pacífico, democrático, com vida modesta e muito doente. “Me surpreendo que ele ainda esteja vivo”, diz, sobre a saúde do fundador do Hizmet.

Segundo ele, centenas de visitantes buscam no retiro – um antigo acampamento de verão para estudantes – proximidade com o líder espiritual, orações e ensinamentos do clérigo. O movimento começou na Turquia na década de 70, mas se espalhou pelo mundo, com uma visão do Islã que prega educação, cultura e valores universais, como direitos humanos. “É um entendimento do Islã que não é novo, de que muçulmanos devem estar em paz com a arte, a democracia, a ciência e abraçar a humanidade. O contrário da imagem que parte do mundo tem dos muçulmanos”, afirma Aslandongan.

Até a tentativa de golpe, Erdogan chamava o movimento de “Estado paralelo”, pelo incentivo do Hizmet para que muçulmanos ocupassem cargos públicos, mas desde 2016 passou a classificá-los como terroristas. “É possível que existam militares simpáticos a ele (Gülen), mas não se pode acusar todo o movimento ou o próprio Gülen pelo simples fato de haver simpatizantes”, diz Aslandogan.
Nem sempre foi assim. Gülen foi um dos apoiadores de Erdogan até o rompimento entre o movimento e o presidente da Turquia. Os apoiadores do clérigo afirmam que o Hizmet desembarcou quando Erdogan se afastou de preceitos democráticos.

Alguns apontam o escândalo de corrupção de 2013 que atingiu o então primeiro-ministro como um dos momentos de ruptura mais clara, quando o líder turco reagiu prendendo os manifestantes que foram às ruas contra seu governo.

“Erdogan diz que as operações de combate à corrupção foram reveladas para derrubar seu governo, mas ele não diz que não cometeu ato de corrupção. Começou a nos chamar de Estado paralelo para expulsar as pessoas ligadas ao Hizmet, que não fizeram vista grossa, dos órgãos (governamentais)”, diz Mustafa Goktepe, sócio de Sipahi e presidente do Centro Cultural Brasil-Turquia.

Precaução

Ele estava nos EUA quando soube da prisão do empresário turco no Brasil e decidiu ficar em New Jersey até ter sinais sobre a decisão do STF. A primeira medida após as notícias de Brasília, diz ele, será visitar Gülen. A segunda, comprar uma passagem de volta para o Brasil. Erdogan ficou 11 anos no cargo de primeiro-ministro da Turquia antes de ser eleito presidente em 2014. Desde 2016, quando sofreu uma tentativa de golpe – que seus opositores classificam como um “autogolpe” – Erdogan tem lançado mão de medidas violentas, como detenção de jornalistas e desafetos políticos, para aumentar os poderes de presidente.

Em 2018, o líder turco foi reeleito para mais um mandato, um ano após um plebiscito transformar o país em uma república presidencial – permitindo a ele ser o único responsável, por exemplo, pela nomeação de juízes.

Gülen não tem celular e vê no Iphone de assessores mais próximos as notícias sobre a Turquia. Em artigo escrito para o jornal O Estado de S. Paulo, mostrou-se preocupado com a chegada do que chama de “caça às bruxas” de Erdogan ao Brasil. Seu dia a dia no entanto passa longe das turbulências enfrentadas por seus apoiadores. Apesar dos constantes apelos do governo turco para que Gülen seja extraditado e enfrente um julgamento na Turquia, os Estados Unidos não deram nenhum sinal, até agora, de que isso possa acontecer.

Parte da vizinhança são funcionários ou parentes do clérigo. Na casa ao lado, no entanto, um dos moradores relata não haver nenhum incômodo, exceto quando simpatizantes de Erdogan vão até a porta do retiro. Aconteceu, diz ele, umas cinco ou seis vezes desde 2016. “Mas isso é a América. Ele tem liberdade para viver aqui e os demais têm liberdade para protestar contra isso”, afirmou o jovem americano, que mora com os pais e não quis revelar o nome.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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