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Mundo

Imunização avança e aumenta pressão para Biden quebrar patente de vacinas

Especialistas apontam que, no ritmo atual, países pobres podem vacinar suas populações só em 2024

Por Agência Estado

28 de março de 2021, às 07h35 • Última atualização em 28 de março de 2021, às 12h45

A rapidez na vacinação dos EUA traz para Joe Biden, ao mesmo tempo, uma vitória doméstica e um dilema internacional. Conforme a imunização dos americanos avança, a Casa Branca é pressionada a ajudar países que estão atrás no combate ao vírus. A pressão vem de aliados que pedem que o presidente reveja apoie na Organização Mundial do Comércio a quebra de patentes das vacinas.

No governo de Donald Trump, os EUA se opuseram à ideia de suspender as proteções de propriedade intelectual para combater a crise. A proposta, encabeçada por Índia e África do Sul, e apoiada por 55 países, foi apresentada em outubro como uma forma de facilitar a transferência de tecnologia e possibilitar a produção de imunizantes a custo acessível. Especialistas apontam que, no ritmo atual, países pobres podem vacinar suas populações só em 2024.

Os EUA rejeitaram a proposta, que sofre oposição das farmacêuticas. A maioria das vacinas hoje em produção foi desenvolvida por laboratórios americanos, chineses e europeus. União Europeia, Suíça, Japão e Reino Unido estão entre os que ficaram ao lado dos EUA, em um embate entre países ricos e pobres. O Brasil foi um dos poucos que não apoiou a proposta da Índia e da África do Sul.

No último debate na OMC, no início do mês, nada mudou e os ricos ainda são contra a medida. Mas, de lá para cá, a pressão interna cresceu. Há um mês, 31 congressistas americanos endossaram a proposta. Agora, democratas dizem nos bastidores que articulam o apoio de quase 100 nomes.

“É injusto que, em meio a uma crise global de saúde, empresas farmacêuticas multibilionárias continuem a priorizar os lucros, protegendo seus monopólios e elevando os preços, em vez de priorizar a vida das pessoas em todos os lugares, até mesmo no sul global”, disse o senador Bernie Sanders. Outros democratas progressistas engrossaram o coro em favor da mudança da posição americana. A deputada Jan Schakowsky chamou a situação atual de “apartheid da vacina”.

A OMC terá uma nova reunião em abril, a primeira na qual a questão será discutida com o Escritório de Comércio dos EUA, já sob nova orientação. A representante de Biden, Katherine Tai, assumiu no dia 18. “O principal argumento dos americanos é que a pressão para derrubar as patentes não resultará, necessariamente, em aumento de produção de vacina”, afirma Renata Amaral, especialista em comércio internacional e professora da American University.

A Câmara de Comércio dos EUA, que representa o empresariado, disse que a proposta é uma “distração” e está “mal orientada”. Setor privado e governos que se opõem à medida argumentam que o gargalo para produzir o imunizante é a infraestrutura, especialmente para a tecnologia mRNA, e escassez de matéria-prima. Os problemas não seriam solucionados com a quebra de patentes.

A informação é contestada pela Organização Mundial da Saúde, que se propõe a ajudar a criar estrutura para produção. A avaliação de ex-integrantes do Departamento de Comércio american é a de que os EUA não mudarão de posição. Para avançar na OMC, é preciso consenso entre os 164 membros.

Biden está em posição desconfortável. Os EUA avançam no cronograma de vacinação e podem imunizar toda a população elegível para receber a vacina até o início do segundo semestre. Assim, o país terá um excedente de vacinas não utilizado, pois garantiu, ainda com Trump, a compra antecipada de doses em número além do necessário. A decisão de Biden de garantir a vacinação dos americanos primeiro, antes de compartilhar as doses extras, é questionada pela comunidade internacional, especialmente com relação à vacina da AstraZeneca, cujo estoque americano está sem uso.

Recentemente, Washington concordou em enviar 2,5 milhões de doses ao México e 1,5 milhão ao Canadá. Dentro do governo, assessores se queixam que China e Rússia têm aproveitado a chamada “diplomacia da vacina”, enquanto os EUA continuam priorizando os americanos. “A avaliação é que os EUA não arredarão o pé. Mas, enquanto isso, a China nada de braçada na diplomacia da vacina e a pressão em Washington está crescendo muito”, disse Amaral.

Ativistas e representantes de organismos internacionais, como a nova diretora da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, e o líder da OMS, Tedros Adhanom, têm criticado os efeitos do “nacionalismo da vacina” nos países pobres. “Das 225 milhões de doses que foram administradas até agora, a grande maioria foi em um punhado de países ricos e produtores de vacinas, enquanto a maioria observa e espera”, afirmou Adhanom.

A ONG Médicos Sem Fronteiras divulgou uma carta com apoio de quase 400 organizações da sociedade civil com apoio à medida e, em mensagem de Natal, o papa Francisco pediu que “forças do mercado” e “leis de patente” não atrapalhem o combate global à pandemia.

O argumento dos democratas é que o governo americano ajudou a financiar as vacinas e teria o poder de pressionar as farmacêuticas para abrirem mão dos lucros até que o mundo atingisse um patamar de imunização seguro. Além do debate na OMC, ativistas têm pedido a Biden que use a patente de tecnologia que permitiu o desenvolvimento das vacinas em mRNA, que deve ser concedida nos próximos dias, como forma de pressionar os laboratórios.

A patente será emitida em nome do governo americano, pois foi desenvolvida pelo Instituto Nacional de Saúde dos EUA (NIH), que colaborou com o desenvolvimento da vacina da Moderna. “Há uma série de maneiras através das quais estamos engajados em abordar a pandemia com a comunidade internacional. Estamos analisando várias opções. Mas eu não tenho nenhuma atualização sobre a questão da patente, disse Jen Psaki, porta-voz de Biden.

Assessores do presidente argumentam que ele se comprometeu com US$ 4 bilhões ao Covax, o consórcio internacional para promover acesso equânime às vacinas, e articulou com Japão, Índia e Austrália a produção e entrega de 1 bilhão de doses para o Sudeste Asiático. Mas Biden tem sido pressionado a fazer mais.

Canadá, Austrália e Chile pediram medida concretas, o que abre caminho para uma terceira via, defendida também pela nova diretora da OMC. A ideia de Ngozi Okonjo-Iweala é licenciar a fabricação para outros países, algo que a AstraZeneca fez com o Instituto Serum, na Índia. Em depoimento ao Congresso, o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, disse que o Brasil apoiaria um “caminho intermediário”, que “proporcione uma solução de consenso”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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