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Mundo

Chilenos sob ‘apartheid’ educacional

Por Agência Estado

31 de outubro de 2019, às 09h04 • Última atualização em 31 de outubro de 2019, às 11h27

Quando o blindado que lança jatos d’água e bombas de gás deu sinal de que abandonaria o vaivém pela Avenida Bernardo O’Higgins, onde fica o Palácio La Moneda, para entrar na estreita na Rua San Francisco, no centro de Santiago, dezenas de jovens dispararam em sentido contrário pela viela. O piloto do veículo militar recuou, prevendo que ficaria exposto a arremesso de pedras e utensílios domésticos das janelas dos prédios. Mas o estampido já tinha provocado quedas e deixado alguns pisoteados. Um manifestante chamava atenção por correr de olhos fechados.

Ignacio Pinto, de 24 anos, tentara minutos antes chegar ao palácio presidencial, a duas quadras dali. Durante confronto com “carabineros” que isolam com barreiras a sede de governo, foi atingido no rosto por gás pimenta. “Não sabia que substância havia no spray e lavei o rosto com água, o que piorou o efeito. Por isso não consigo ver”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo, sem enxergar o interlocutor. Esta região da cidade tornou-se um foco permanente de confronto, o que levou o hotel da esquina, o cinco estrelas Plaza San Francisco, a fechar. A uma quadra, uma unidade do Mercure foi incendiada.

“Não sou partidário da violência, mas entendo a revolta se uma geração ou duas foi exposta um cenário em que não pode entrar na universidade”, afirmou o jovem, que deixou uma cidade pequena no extremo norte do país para viver na capital com a mãe e um irmão.

A disparidade de qualidade entre ensino privado e público no Chile torna raro um estudante de escola pública chegar à universidade. Ignacio estudou em um escola particular que custava 250 mil pesos (R$ 1.345) por mês. Paga hoje 8 milhões de pesos (R$ 43 mil) por ano por seu curso na Universidade Andrés Bello, no qual acaba de entrar e do qual deve sair em seis anos. A universidade cancelou as aulas, que só devem ser retomadas em três semanas.

Ignacio representa a face mais vista nas marchas, a dos jovens e adolescentes. Uma das exigências centrais das mobilizações – que começaram com estudantes secundaristas contrários ao aumento no metrô e logo se tornaram difusas – é que o sistema de ensino não tenha tanta disparidade entre público e privado.

Quem não pode pagar o ensino universitário e recorre a créditos estudantis tem o empréstimo diretamente descontado do salário nos primeiros anos de carreira. Há relatos de que esses “primeiros anos” eventualmente se convertem em três décadas e são pagos como um financiamento qualquer.

Segundo Mario Waissbluth, diretor do centro de estudos Educación 2020, o sistema educacional chileno, embora apresente resultados superiores aos da média latino-americana – tem o melhor índice no último exame Pisa, de 2015 – apresenta como problema central a exclusão. Ele credita o sucesso dos estudantes chilenos a políticas educativas que praticamente não variaram entre governos de esquerda e direita. Ele reconhece que o país conseguiu reduzir brutalmente a pobreza – de 43%, em 1990, passou para 10% -, mas lamenta o que considera um “apartheid” educacional.

“Temos três tipos de escolas no Chile. As públicas, que recebem 35% das matrículas. As privadas subvencionadas, que recebem 58% e abrigam a classe média. E as particulares pagas, que são caríssimas. Destas saem os futuros gestores, que casam com futuras gestoras e têm gestorezinhos.”

Nesta última categoria, a dos mais favorecidos, está Ignacio. “Tenho sorte de minha avó poder pagar a mensalidade. Não precisaria estar aqui, mas minha família já foi pobre. Tento estudar em casa enquanto a universidade está fechada, mas não consigo me concentrar diante do que está ocorrendo.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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