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Economia

Presidente da Funai transforma licenciamento de linhão em caso de Polícia

Por Agência Estado

03 de junho de 2021, às 14h02 • Última atualização em 03 de junho de 2021, às 14h44

O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier, decidiu transformar o processo de licenciamento ambiental de uma obra de transmissão de energia em investigação policial. No dia 12 de maio, a Polícia Federal abriu inquérito, após se acionada por Xavier, para investigar lideranças indígenas e nove servidores da própria Funai, sob a acusação de que estes atuariam para colocar “diversas barreiras e entraves à aprovação” do projeto, que prevê a instalação de uma rede de alta tensão entre Manaus (AM) e Boa Vista (RR).

O inquérito surpreendeu não apenas os funcionários da Funai, mas também a equipe do próprio governo federal, que atua diretamente nos processos de concessão e estava em etapa final da articulação com povos indígenas da região, para chegar a um acordo sobre a passagem da linha.

Do total de 721 km previstos no traçado da rede prevista para ser erguida ao lado da BR-174, rodovia que liga as duas capitais, 125 km passam dentro da terra indígena Waimiri Atroari, onde vivem mais de 2,1 mil índios em 56 aldeias. Os índios não são contra a obra, mas exigem que sejam consultados sobre o processo de construção e cobram medidas para reduzir os impactos da obra em suas terras. Essas consultas estão em andamento.

No inquérito, que foi aberto pelo delegado da PF Eduardo Zozimo de Andrade Figueira Neto, são citados nove servidores da fundação, além do líder indígena Mário Parwe Atroari e membros da Associação Comunidade Waimiri Atroari (ACWA), da Associação de Apoio às Atividades do Programa Waimiri Atroari (Adawa) e da Preservar Arqueologia e Meio Ambiente.

Um dos citados no processo e que foi chamado pela PF para prestar esclarecimentos é o advogado Jonas Filho Fontenele de Carvalho, que atua na defesa dos índios Waimiri e representa a ACWA. Segundo relato de Marcelo Xavier no processo, Jonas teria “ascendência” sobre o líder indígena Mário Parwe Atroari, dificultando o processo de licenciamento.

Ao Estadão/Broadcast, Jonas disse que, em 30 anos de advocacia, nunca tinha visto um presidente da Funai atuar contra os povos indígenas e os próprios servidores da fundação, que têm a missão de intermediar e defender seus direitos. “Vou prestar todos os esclarecimentos necessários, o que quiserem saber. Não há absolutamente nada a esconder. Em todos esses anos em que advogo, nunca vi um presidente da Funai, deliberadamente, pedir instalação de inquérito contra indígena. Isso é algo inqualificável.

A função institucional dele é defender os indígenas. Ele deveria ser o primeiro a fazer isso”, disse. “Paralelamente, eu vou pedir para abrir um processo contra ele, por ele justamente contrariar seu preceito constitucional.”

Segundo o advogado, não há como haver ascendência sobre os indígenas da região, que possuem seus próprios líderes e, historicamente, decidem internamente quais são as suas posições. “Sou advogado e apenas reverbero o que os índios querem. Não entro no mérito. Se querem a linha ou não, faço o que eles definem. Ninguém tem ascendência sobre eles.”

Expediente recorrente

Esta não é a primeira vez que o presidente da Funai recorre à PF para investigar um líder indígena. O mesmo expediente foi aplicado contra a líder indígena Sonia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), além do líder Almir Suruí. Os dois processos foram arquivados em 5 de maio, após a Polícia Federal não ver elementos para seguir com as investigações.

Dentro da Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), órgão federal que centraliza as principais concessões do setor, a movimentação da Funai contra os servidores e líderes indígenas não foi bem recebida. Há forte receio de que o processo de licenciamento do componente indígena, que já tinha concluído a tradução do material para os índios e estava em fase final de negociação, possa ser comprometido.

Em fevereiro, o Ministério de Minas e Energia (MME) declarou à reportagem que “os esforços estão dirigidos para a consulta aos indígenas, os quais têm participado ativamente do processo de tradução dos documentos para sua manifestação”.

A solução do impasse com os indígenas está longe de ser o principal obstáculo ao projeto, atualmente. Leiloado em setembro de 2011, o linhão entre Manaus (AM) e Boa Vista (RR) nunca saiu do papel e, agora, tudo indica que a obra terá de ser relicitada. Em março, a Justiça Federal do Distrito Federal acatou pedido da concessionária que venceu o projeto para erguer a linha, a Transnorte Energia, formada pela Eletronorte e pela Alupar, para rescindir o contrato, além de determinar que as empresas sejam indenizadas pela União. O motivo é a falta de licenciamento ambiental, que segue travado mesmo depois de quase dez anos da concessão.

O consórcio alegou que em 2015 pediu a rescisão amigável do contrato e que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) reconheceu que o atraso no licenciamento inviabilizou o empreendimento sob o ponto de vista econômico-financeiro. Mas até o momento não houve uma manifestação do Ministério de Minas e Energia (MME).

A linha de transmissão foi planejada para conectar Roraima ao sistema interligado nacional (SIN) de energia. O Estado é o único que não está integrado ao sistema elétrico do País. Desde março de 2019, o fornecimento de energia depende completamente de usinas térmicas movidas a óleo diesel, devido ao fim do contrato que o governo brasileiro mantinha com a Venezuela.

A reportagem enviou pedido de posicionamento sobre o assunto à Funai. Não houve retorno até o fechamento deste texto.

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