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Brasil

Quando a saúde move o papo no boteco

Por Agência Estado

01 de janeiro de 2020, às 08h39 • Última atualização em 01 de janeiro de 2020, às 10h27

Ao caminhar pelas ruas estreitas de Paraisópolis, na zona sul da capital paulista, o enfermeiro Francisco Paiva, de 44 anos, notou o contraste da presença masculina no dia a dia da unidade básica de saúde (UBS) da comunidade e nos bares da região. Escassez nas consultas, frequência alta nos balcões. Foi assim que, em 2013, ele criou o Conversa de Boteco, um espaço para que homens se reúnam para discutir sobre doenças, família, anseios e vícios, além de assumir o compromisso de cuidar da própria saúde.

“Minha gestora pediu atividades voltadas para a saúde do homem. Andando, vi que os homens se reuniam nos bares e conversei com o dono de um deles. Ele ficou surpreso com a ideia. Fomos com a proposta de fazer uma palestra, mas surgiram outros assuntos. Eram sete participantes. Depois, dez, 15. Chegamos a ter 30 homens em encontros”, lembra Paiva, que é especialista em saúde pública e mestre em saúde ambiental.

As reuniões são mensais e mais de 80 encontros foram realizados nesses seis anos de projeto. A estimativa é de que cerca de 1,2 mil homens já participaram da iniciativa em dez bares da região, de acordo com a Secretaria Municipal da Saúde. “Falamos sobre infecções sexualmente transmissíveis, drogas, alterações posturais, depressão, masculinidade, família e até questões sobre o cuidado com o bairro, coleta de lixo.” De lá, já saem com consultas agendadas e ainda no bar são submetidos a testes rápidos de sífilis, hepatite e HIV pelos agentes de saúde.

“Neste ano, paramos por cinco meses por causa da campanha do sarampo”, diz Paiva. Parecia que ninguém compareceria à reunião de novembro. O boteco do Zezinho Baixinho estava vazio. Pouco antes das 14 horas, horário marcado para o início da conversa, agentes comunitárias de saúde abordavam homens na calçada e entregavam os convites. Enquanto Paiva não chegava, elas pegaram cadeiras de outros bares e as organizaram ao redor de uma mesa de sinuca.

Os homens vão chegando aos poucos e o grupo cresce com a chegada do enfermeiro, que é reconhecido por todos. Ele faz questão de cumprimentar não só com um aperto de mão firme, mas com um abraço apertado e acompanhado por um tapinha no ombro. Ao conversar, Paiva mantém o contato olho no olho. “O maior desafio é tornar isso uma linha de cuidado e trabalhar a promoção da saúde no pós-encontro. Mas a gente vê como o encontro pode ser potente fora do bar, porque formamos um vínculo.”

O primeiro a receber a iniciativa foi o comerciante Isaías Luís Nascimento Gomes, de 53 anos, que também abriu a discussão. “As mulheres têm os grupos delas e nós também temos os nossos. A gente tem de saber que existem várias doenças e os médicos sabem dos problemas que os homens têm. A doença enfraquece qualquer ser humano.”

Apoio

No começo, todos estão tímidos. Com uma fala informal, Paiva deixa claro que não existe certo nem errado e a equipe de saúde está no local para dar apoio. Ninguém será julgado. “A ideia é discutir sobre as ideias de vocês.”

O vigilante José João da Silva, de 60 anos, quebra o silêncio e pergunta: “Diabete é coisa séria mesmo?”. O enfermeiro pede que os presentes compartilhem seus conhecimentos sobre a doença. Um participante relembra a morte da mãe, que precisou amputar uma das pernas. O grupo fica sério e Paiva começa a dar explicações sobre o que é a doença e aborda a questão da prevenção, de alimentação a prática de atividades físicas.

Até uma receita de tempero caseiro foi passada pelo enfermeiro. “Não tira o nosso tempo e é fácil. Faço no domingão à tarde e fico sossegado. A gente pode fazer uma oficina dessas ‘paradas’, chamar uma galera para fazer os temperos naturais.”

Depois, Paiva indaga Silva se, após as explicações, ele começou a achar que diabete é coisa séria. O vigilante compreende a gravidade, mas tem outra dúvida. “Quem tem diabete pode tomar cachaça?” Todos riem. É a deixa para que a conversa entre em um dos temas mais frequentes. “Vou atuando como mediador. O vício em álcool e drogas é algo que pega bastante e isso nos leva a outros projetos, como o Caps AD (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas).” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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