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Brasil

O mais alto canto na serra amazônica

Por Agência Estado

22 de outubro de 2019, às 07h41 • Última atualização em 22 de outubro de 2019, às 10h59

Uma ave que vive em regiões montanhosas da Amazônia foi considerada a mais barulhenta do mundo. Em seus esforços para atrair as fêmeas para o acasalamento, a araponga-da-amazônia macho emite um canto tão alto que fica até difícil entender como a parceira consegue apreciá-lo sem acabar ficando surda.

Quem já andou por uma floresta com arapongas (há quatro espécies na região tropical das Américas Central e do Sul) sabe que o canto forte, que lembra o som metálico de um ferreiro batendo ferro, domina o ambiente e pode ser ouvido a longas distâncias. Mas a branca araponga-da-amazônia (Procnias albus) se distingue entre os parentes. Ela chamou a atenção do ornitólogo Mario Cohn-Haft, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que em 2017 fazia uma expedição pela Serra do Apiaú, em Roraima. Ele se espantou com a musculatura do bicho. “Os músculos abdominais são extraordinariamente espessos, fortes. O bicho é um ‘tanquinho’.”

Ele explica que isso não é comum em passarinhos. “Os músculos são fininhos. Em geral, as adaptações são para o voo. Tudo é minimalista em pássaro. Mas essa araponga tem abdome espesso e forte. E suas costelas também são grossas. Pensei que isso só poderia ser uma adaptação para conseguir fazer esse barulho doido que se escuta a 2 km de distância.”

Ele resolveu procurar seu colega Jeffrey Podos, da Universidade de Massachusetts, em Amherst (EUA). Especialista em bioacústica, Podos investiga justamente adaptações evolutivas que favoreceram os cantos das aves. No início deste ano, a dupla voltou à região, com aparelhos de alta tecnologia, para medir a amplitude do canto (os decibéis) e a pressão sonora.

Os pesquisadores decidiram comparar com o canto de uma outra ave já descrito cientificamente e que se imaginava ser o mais alto. Trata-se do capitão-da-mata, ou cricrió (Lipaugus vociferans), considerado a voz mais emblemática da Floresta Amazônica. O volume do som dele havia sido quantificado, mas só pela experiência em campo os cientistas já imaginavam que a araponga ganharia.

Ao fazer as medidas das duas espécies, eles constataram que as arapongas são cerca de 9 decibéis mais barulhentas que os cricriós, mas em termos da pressão sonora têm quase o triplo da exercida por eles. “Na prática, é como se fosse três vezes mais forte”, resume Cohn-Haft. Segundo ele, é um som mais alto que o dos macacos bugios. “É mais alto que uma britadeira e regula mais ou menos com um bate-estaca.”

Quanto mais forte, porém, mais curto é o som. Os pesquisadores observaram que as arapongas machos emitem dois cantos: um mais comprido e um menor. O primeiro é seu canto mais comum, mais longo e lento e menos forte, e o segundo, mais raro, é o mais alto já medido entre aves.

Enquanto o cricrió atinge, no máximo, 116 decibéis, a araponga, em seu segundo canto, chega a 125.

Identidade

Os cantos tanto servem para indicar a presença do cantor – onde ele está – quanto definem a identidade do bicho. Dentro da mesma espécie, os animais conseguem se distinguir individualmente pelo canto. E servem, especialmente, para atrair as fêmeas. E, por incrível que pareça, elas gostam mesmo é dos gritos mais fortes. “A fêmea pousa no poleiro onde o macho está ou perto dele nesse processo de cortejar e recebe o grito bem na cara”, diz Cohn-Haft.

“Normalmente as vocalizações mais fortes são para comunicar a distância. Quando o receptor está mais perto, tendem a ser mais maneiradas. Mas essas fêmeas adoram uma gritaria. Elas recebem um volume de som insuportável à queima-roupa”, conta. O estudo foi publicado ontem na revista científica Current Biology. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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