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Cotidiano

Luz, ruído e cuidado no hospital de campanha do Anhembi

Por Agência Estado

02 de maio de 2020, às 16h00 • Última atualização em 02 de maio de 2020, às 18h31

Ser uma das quase 500 pessoas internadas com covid-19 no hospital de campanha do Pavilhão de Exposições do Anhembi, na zona norte de São Paulo, significa passar noites dormindo sob luzes acesas, com o barulho de geradores de energia e da Marginal do Tietê. Dependendo da quantidade de oxigênio no sangue, é preciso avisar com antecedência para ir ao banheiro, que pode ficar distante do leito, e se conectar a tubos de gás para não ficar sem fôlego no trajeto.

O quadro de desconforto não é fruto de falta de cuidado com os pacientes. É um dos reflexos de se transformar, às pressas, o galpão de exposições em um hospital, e salvar vidas. “O Anhembi não tinha dimmer (variador de luminosidade)”, disse a gerente médica da unidade, Tassiana Sacchi Pitta Diaz, de 37 anos. Na semana que vem, tapa-olhos (como os de viagem) e protetores auriculares, recebidos de doações, deverão ser distribuídos aos pacientes.

O jornal O Estado de S. Paulo foi a primeira equipe jornalística a entrar no hospital de campanha. O acesso, restrito, se deu após um processo em que toda a roupa é trocada. O uso de touca, óculos, máscara e avental é obrigatório. No lugar de crachás, nomes escritos à caneta no avental. É assim para todos.

As adaptações no galpão incluíram levar água, energia e oxigênio para todo o complexo, montando quartos que abrigam até 20 leitos. Cada um tem duas alas de dez camas com uma enfermaria no meio. Os banheiros ficam em estruturas ao lado dos quartos. Desta forma, uma pessoa fica internada ao lado de outros nove pacientes, sem separação. Muitos têm cateter nasal. A companhia cria amizades, mas não atenua os efeitos do distanciamento dos parentes.

“A maioria dos pacientes tem medo de ter passado alguma coisa, (quer saber) se a família está apresentando algum sintoma”, diz a psicóloga Hívina Machado, de 29 anos, que tem entre os trabalhos a função de intermediar chamadas de vídeo entre pacientes e parentes. “A maioria apresenta sensação de culpa, de responsabilidade com a saúde do outro.” Para quem recebe a chamada, um outro sentimento. “Alívio de poder ver. Uma coisa é o médico falar como está a pessoa, outra é o parente ver, conversar”, diz Hívina. Técnicos tentam garantir que esse contato seja diário.

A empregada doméstica Lucinéia Alves, de 53 anos, havia acabado de falar com a família quando a reportagem visitou sua ala. A ligação era para a filha. “Mas eles colocaram um celular para ver o outro”, disse Lucineia. Assim, ela terminou conversando também com a mãe e a nora. Lucineia se internou no Hospital do Mandaqui, na zona norte, no dia 24. No dia seguinte, foi para o Anhembi. A placa acima de seu leito traz escrito “52 anos”, o que só estava correto no dia da internação. “Fiz aniversário aqui. As meninas trouxeram bolo, colocaram um pouco no meu dedo, fizeram uma festa comigo”, afirmou, sorrindo. Ela se diz ainda cansada e a voz é fraca. Mas conta que está comendo o máximo que pode, para poder ir embora logo.

A internação ocorreu horas depois de voltar do trabalho, em uma casa em Alphaville, bairro nobre na Grande São Paulo. Lucineia desconfia ter contraído a doença de um jovem com quem convivia, que não respeitava o isolamento. “Ele chegou um dia tossindo para cima de mim. Falei: ‘Sai para lá!’ E ele: ‘Isso não pega não, é coisa boba.’ Para ele, que é mais jovem, pode ser coisa boba. Para mim, não foi. Não foi nada bobo. Foi horrível.”

Exercícios

O contato mais próximo que pacientes têm é com a equipe de fisioterapia, que faz exercícios diários para fortalecer a musculatura do tórax. “Eles gostam dessa parte do dia. Primeiro porque se movimentam, se sentem melhor. Depois, porque conversam”, afirma a fisioterapeuta Mariana Sacchi Pitta. “Muitos pacientes têm dificuldade em expectoração. Eles fazem exercícios que ajudam na expectoração e a expandir o pulmão”, explicou a fisioterapeuta. Dessa forma, evitam precisar de um respirador artificial.

Quem é internado no hospital de campanha obrigatoriamente chega de ambulância, vindo de outra unidade de saúde da capital. Parentes recebem uma ficha com informações sobre o que pode ser trazido: produtos de higiene, chinelos, remédios de uso contínuo.

A pessoa chega sozinha, sem acompanhantes, e não recebe visitas. Há uma recepção para parentes que buscam por notícias – mas a entrada não é autorizada. “O médico liga todos os dias para parentes. Também liga se o paciente vai para o leito de estabilização”, diz a gerente médica Tassiana.

A vendedora ambulante Maria Aparecida Conceição Alves, de 61 anos, ficou dez dias nessas condições. Na quarta, recebeu alta, e seria buscada pela filha. Ela, que tira o sustento das ruas, agora terá de respeitar regra de isolamento em casa. Indagada sobre a solidão de estar isolada, respondeu com elogios à equipe que a atendeu. “O pessoal aqui é maravilhoso. Minha médica, o pessoal que trabalha à noite, todo mundo, 24 horas. Se não fosse eles, não estaria aqui.” À noite, ela usava o lençol para cobrir os olhos e conseguir dormir.

Quando os pacientes têm alta, são buscados no hospital por parentes. Eventualmente, se não há condições de a família buscar, assistentes sociais podem usar ambulâncias para fazer o transporte.S

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