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Brasil

Há 200 dias, bombeiros resgatam esperança e dignidade em Brumadinho

Por Agência Estado

12 de agosto de 2019, às 14h58 • Última atualização em 12 de agosto de 2019, às 16h44

Entrevista com tenente Pedro Aihara, porta-voz do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais.

Esperança, angústia, sofrimento, tristeza e alívio. A mistura de sentimentos faz parte do cotidiano dos parentes e amigos das vítimas da tragédia de Brumadinho, na Grande Belo Horizonte, que completa 200 dias nesta segunda-feira, 12. Não é uma tarefa fácil lidar com a obrigação de informar a um familiar que seu ente querido foi encontrado morto no meio da lama de rejeitos de minérios da Vale – ou ainda que mais de seis meses depois segue desaparecido, sem previsão de ser achado.

“Uma família está esperando um corpo há quatro, cinco meses, recebe a notícia de que aquela pessoa finalmente foi identificada, isso pode não parecer para quem é de fora uma coisa tão simbólica, mas é muito importante para a família”, disse, em entrevista ao Estado, o tenente Pedro Aihara, porta-voz do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais.

Militar da Força Aérea do Brasil (FAB) que descobriu no trabalho de bombeiro a oportunidade de realizar o sonho de poder ajudar os outros, Aihara acompanha as buscas pelas vítimas na lama de Brumadinho desde o início e contou quais são as principais dificuldades emocionais e técnicas enfrentadas em uma tragédia dessa magnitude. É a operação de resgate mais longa da história do Brasil.

“Não é só uma operação de resgate de corpos, mas, sim, de recuperar a esperança, a dignidade, o direito à memória que essas pessoas devem ter”, afirmou o porta-voz dos bombeiros.

O rompimento da Barragem Mina do Córrego do Feijão, no dia 25 de janeiro, deixou até o momento 248 mortos e 22 desaparecidos. Duzentos dias depois, as buscas seguem “a todo vapor”, como definiu Aihara, com 150 homens e 130 máquinas pesadas.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Nestes 200 dias de trabalho de resgate na lama de Brumadinho, qual foi o momento mais marcante para os bombeiros?

É complicado definir um momento só como o momento mais marcante porque em uma operação desse tamanho, de 200 dias, foram muitos momentos marcantes. O que fica como impressão geral da corporação é de que especialmente nos momentos de contato com as famílias das vítimas, essa questão de realmente enxergar o sofrimento das pessoas, da comunidade talvez seja o que fica mais simbólico em relação à tragédia.

O que sintetizou isso foi quando completou uma semana de operações, a gente fez uma homenagem grande: convocou todas as pessoas que desejassem doar rosas. Levamos essas rosas para Brumadinho, distribuímos em 15 helicópteros e fizemos um sobrevoo coordenado jogando todas essas rosas. Ao mesmo tempo, a gente fez um hasteamento da bandeira nacional, uma continência ao terreno.

Foi o momento que simbolizou muito a ideia da operação, uma operação que envolve a dor de muitas pessoas, de 270 famílias. Não é só uma operação de resgate de corpos, mas, sim, de recuperar a esperança, a dignidade, o direito à memória que essas pessoas devem ter.

E qual foi o momento mais dramático?

Foi o momento que a gente chegou a Brumadinho, que tinha aquela situação de pânico das pessoas, que elas não sabiam o que estava acontecendo. Aquele cenário de guerra que a gente enfrentou no primeiro dia, quando foi construindo a percepção da dimensão da magnitude da tragédia. Foi o momento mais forte em termos emocionais.

Como é o contato dos bombeiros com os parentes das vítimas em uma tragédia como a de Brumadinho?

Esse tipo de tragédia tem uma característica diferente que acaba sendo um elemento bem peculiar: são atuações de longa duração do Corpo de Bombeiros, diferentemente de uma ocorrência tradicional – combater um incêndio, atender uma vítima presa em ferragem, quando você vai ficar ali quatro, cinco horas, não vai ter tempo suficiente para estabelecer um laço com essa família.

Em Brumadinho, nós ficamos 200 dias. Todas as histórias das pessoas que nós buscamos – ainda mais em uma comunidade pequena como Brumadinho – nós conhecemos pessoalmente e sabemos pelo nome quem é cada uma dessas pessoas desaparecidas.

Ao mesmo tempo, é um elemento que traz uma responsabilidade muito grande. Gera evidentemente uma demanda psicológica considerável porque você está ali em contato diário com o sofrimento. Serve como combustível: a importância do nosso trabalho, da nossa atuação nesse caso. A gente é a prova viva daquilo, que são as pessoas demandando, vendo, confiando, apoiando o nosso trabalho.

O contato com a família é diário e, semanalmente, nós temos uma reunião em que todo o comando da operação se junta com os familiares para explicar o que está acontecendo, como é que está o andamento da operação.

Como é o desafio de informar a um familiar que seu parente foi encontrado morto?

Às vezes, uma família está esperando um corpo há quatro, cinco meses, ela recebe a notícia de que aquela pessoa finalmente foi identificada, isso pode não parecer para quem é de fora uma coisa tão simbólica, mas isso é muito importante para a família, para que ela consiga dar procedimento ao luto dela.

Quando está em uma situação de desaparecido não tem Natal, Páscoa, festa de família, é uma morte a conta-gotas. É uma angústia muito grande. Ainda que seja mínimo comparada com a dor, a tranquilidade que isso traz, o mínimo de conforto que traz naquele cenário de conforto, isso nos toca muito. Isso é o que mais nos marca.

Como estão os trabalhos em Brumadinho atualmente?

Continuam a todo vapor, não há previsão de término. Hoje, nós temos cerca de 150 militares por dia só de bombeiros. Além disso, mais de 130 máquinas pesadas, entre retroescavadeiras, escavadeiras e todo o apoio com recurso tecnológico.

Há expectativa de resgate de mais corpos?

Existe uma expectativa de diminuição desse número (de 22 desaparecidos) porque há muitos segmentos corpóreos para serem identificados ainda no IML (Instituto Médico Legal), uma vez que a técnica de identificação neste momento pela qualidade da amostra é muito complexa. No IML, tem hoje 130 segmentos.

Qual foi a maior dificuldade técnica para os bombeiros?

Embora os casos que se tornaram mais emblemáticos tenham sido os de Brumadinho e Mariana (em 5 de novembro de 2015, com 18 mortes e um desaparecido), essa situação de rompimento de barragem de menor proporção às vezes sem vítima, às vezes com uma ou duas vítimas é uma realidade que o Corpo de Bombeiros já enfrentou em outros momentos históricos. Depois de Mariana, isso foi intensificado, mas já existia antes de um trabalho de preparação específico para esse cenário, que é um cenário do ponto de vista técnico extremamente complexo.

A lama oferece uma dificuldade de trabalho porque ela tem as dificuldades do concreto e as dificuldades da água. Comparando com ocorrências semelhantes, por exemplo, desabamento, colapso de estrutura, o concreto tem um peso muito grande, mas pela característica dele permite que existam espaços vitais isolados. E ele não tem uma característica de mobilidade grande.

Agora, quando a gente trabalha com a lama, tem todos esses pontos difíceis do concreto, que é a questão do impacto, da força, da violência do peso entrando em contato com os corpos, e também as dificuldades da água, de invadir completamente o ambiente, de a pessoa ser levada por aquela tromba de lama.

Por isso, é tão necessária uma especialização técnica, uma especialização operacional para lidar com essa realidade. E nesse ponto o Corpo de Bombeiros foi muito, entre aspas, feliz porque já estava trabalhando nessa preparação há muito tempo.

Teve algum intercâmbio com corporações de outros Estados?

Sim, só na operação em Brumadinho, 16 unidades da federação mandaram bombeiros para cá, tanto para apoiar quanto para aprender, ver o que eles fazem, o que a gente faz. Essa troca de conhecimento, esse intercâmbio em termos de preparação nacional para esse tipo de tragédia foi muito importante também.

As equipes que vieram de outros Estados e até de outros países, como foi o caso de Israel, ficaram muito impressionadas com a nossa doutrina de trabalho para esse tipo de ocorrência. Por isso, Minas Gerais que já era, confirmou ainda mais essa questão de ser uma referência mundial na parte de rompimento de barragens. Hoje, a tropa mineira, comparada com qualquer outra do mundo, é considerada a mais preparada para esse tipo de atuação.

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