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Belo Horizonte

Dietilenoglicol: entenda os efeitos da substância encontrada em cerveja

Substância encontrada em garrafas da cerveja Belorizontina é suspeita de já ter provocado mortes na Nigéria, Bangladesh, Panamá e Haiti

Por Agência Estado

10 de janeiro de 2020, às 18h42 • Última atualização em 11 de janeiro de 2020, às 09h09

A substância encontrada em garrafas da cerveja Belorizontina, da marca Backer, o dietilenoglicol, já foi utilizada em vários países em substituição ao álcool ou como diluente, na fabricação de bebidas e xaropes, e é suspeita de ter provocado mortes na Nigéria, Bangladesh, Panamá e Haiti. O episódio mais recente ocorreu em 2009 no país do sudeste asiático, quando 24 crianças com idades entre 11 meses e três anos morreram por problemas renais depois de tomarem um xarope de paracetamol que continha a substância.

A Backer, fabricante da Belorizontina, afirmou em nota divulgada nesta sexta-feira, 10, que o dietilenoglicol “não faz parte de nenhuma etapa do processo de fabricação de seus produtos, inclusive da Belorizontina”. A substância, conforme laudo divulgado na quinta-feira, 9, pela Polícia Civil, foi encontrada em garrafas da cerveja recolhidas dentro de investigação que apura a morte de uma pessoa e a internação de outras sete que teriam consumido a bebida. Todas moram ou passaram pelo bairro Buritis, região oeste de Belo Horizonte, na segunda quinzena de dezembro.

Foto: Freeimages.com
Substância em cerveja pode ter causado morte em Belo Horizonte

O dietilenoglicol é um líquido claro, sem odor, utilizado como solvente na área de extração de petróleo e em defensivos agrícolas. A substância pode ser usada ainda, no caso de fábricas de cerveja, para resfriamento de serpentinas. Nos países em que pode estar relacionado a mortes, o dietilenoglicol foi usado como solvente em xarope, como no caso de Bangladesh. À época, autoridades informaram que a substância foi usada por ser dez vezes mais baratas que solventes normais utilizados na fabricação do medicamento.

O médico toxicologista Anthony Wong, do Centro de Assistência Toxicológica do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), afirma já ter tomado conhecimento da utilização do dietilenoglicol no mercado de bebidas alcoólicas em outras partes do mundo. “É uma prática não muito rara”, afirma. Wong explica que a mistura acontece quando no processo de fermentação normal da bebida não se alcança o teor alcoólico necessário. A substância é, então, utilizada para se chegar ao ponto considerado ideal.

O especialista afirma que a própria literatura médica aponta que o uso do dietilenoglicol pode ser prática mais comum do que tende-se a imaginar. Em quantidades pequenas, afirma Wong, a substância pode proporcionar, por exemplo, uma dor de barriga. Mas, em volume elevado, as consequências podem ser bem mais sérias. O dietilenoglicol está relacionado a um escândalo no setor de vinhos da Áustria em 1985, quando produtores passaram a utilizar a substância para deixar a bebida mais encorpada. Não houve, porém, registro de mortes.

O quadro médico das oito pessoas que podem ter passado mal por causa da cerveja contaminada tem similaridade com o das crianças que morreram em Bangladesh. Todos, assim com os bebês asiáticos, apresentaram problemas renais. Acusaram ainda, no caso dos pacientes brasileiros, alterações neurológicas graves. Os sintomas iniciais são vômito e dores abdominais. O paciente que morreu, morador de Ubá, na Zona da Mata, foi enterrado na madrugada desta sexta, 10. O falecimento ocorreu no dia 7, mas o corpo passou por necropsia no Instituto Médico Legal (IML) de Belo Horizonte.

O toxicologista Wong afirma que, depois dos sintomas iniciais, a ingestão do dietilenoglicol passa a provocar as alterações neurológicas, com confusão mental, tontura, podendo ocorrer até convulsões. Em seguida, a substância, ao passar pela fígado, faz com que o órgão produza outra substância, o ácido hidroxiacético, na tentativa de anulação do dietilenoglicol. “O ácido hidroxiacético, no entanto, é uma substância ainda mais perigosa que o dietilenoglicol, e vai afetar os rins”, explica o médico.

Segundo Wong, ao sair do fígado, o ácido hidroxiacético se transforma em cristais no interior dos rins, impedindo que funcionem. Em 1990, na Nigéria, sete crianças foram internadas depois de tomarem remédio para infecções respiratórias que teria o dietilenoglicol em sua composição. Todas apresentaram insuficiência renal e morreram. Há ainda registros de mortes pela substância no Panamá, em 2007.

Anvisa publicou alerta em 2007

As autoridades brasileiras já chegaram a recomendar cuidado com o dietilenoglicol. Em 11 de junho de 2007, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou alerta afirmando ter recebido informações da “existência de medicamentos adulterados recentemente no Panamá que resultaram em vários casos de insuficiência renal aguda, muitos deles fatais”. “O Ministério da Saúde desse país investigou esses casos e concluiu que as reações adversas resultaram do uso de xarope para tosse contaminado com dietilenoglicol (DEG).”

O alerta afirma ainda que “fatalidades associadas a essa substância também foram relatadas no passado (2006), em 1938, nos EUA, quando foi utilizado como diluente da sulfanilamida, em 1996 quando várias crianças morreram no Haiti após consumirem xarope de paracetamol contaminado com DEG e em 1998, na Índia, onde xaropes para tosse contaminados causaram a morte de muitas crianças”.

Substância não integra processo de fabricação, diz Backer

Em notas divulgadas nesta sexta, 10, a Backer, cuja fábrica fica na capital, afirma que “a substância dietilenoglicol não faz parte de nenhuma etapa do processo de fabricação de seus produtos, inclusive da Belorizontina”. A empresa afirma reiterar “que continua colaborando com as autoridades e que se solidariza com as famílias envolvidas”.

A cervejaria diz que os lotes L1-1348 e L2-1348, aos quais pertenciam as cervejas contaminadas, “serão recolhidos diretamente nos domicílios dos consumidores, em horário agendado”. Para isso, conforme a empresa, “os clientes devem ligar para o telefone (31) 99536-4042, exclusivo para esse procedimento”. A cervejaria afirma ainda que “aguarda a conclusão das investigações” e que “reforça seu compromisso com a qualidade dos seus produtos”.

As notas afirmam ainda que o recolhimento das cervejas ocorrerá mesmo que as garrafas não sejam dos lotes dois quais saíram a o produto contaminado. “Para o bem-estar e conforto de seus clientes, comunica que irá recolher, caso seja de interesse do consumidor, outros lotes da cerveja Belorizontina, mesmo que não sejam os lotes L1-1348 e L2-1348, a partir de segunda-feira, 13 de janeiro. Neste caso, o cliente, de porte do cupom fiscal da compra, deve procurar o estabelecimento comercial onde adquiriu o produto e fazer a devolução. O cliente será ressarcido no momento da devolução”, diz o texto.

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