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Brasil

Como a matemática pode ajudar a entender (e combater) epidemias

Por Agência Estado

15 de março de 2020, às 08h08 • Última atualização em 15 de março de 2020, às 09h43

No fim de janeiro, quando a China começava a assustar o mundo pelo rápido aumento de casos de uma doença desconhecida, uma das primeiras medidas adotadas pelo governo foi banir as viagens da cidade de Wuhan – epicentro da epidemia – para o restante do país. A atitude continuou sendo tomada depois por vários países, como os Estados Unidos, na semana passada, que impediram a chegada de voos da Europa, agora que o continente se transformou na principal fonte da doença. Mas quanto isso de fato afetou a dispersão do novo coronavírus?

Dois estudos baseados em modelagens matemáticas divulgados nos últimos dias apontam que a medida pode ter reduzido a exportação da doença, mas foi insuficiente para conter a dispersão global – ou mesmo dentro da própria China. Em 23 de janeiro, quando as viagens foram canceladas, a covid-19 já tinha chegado a várias outras cidades.

“A quarentena de viagens apenas modestamente atrasou a dispersão para outras áreas da China continental”, concluiu um grupo de pesquisadores dos Estados Unidos, da Itália e da China, que publicaram o trabalho na revista Science. Eles fizeram a análise a partir de modelagens matemáticas da dispersão do vírus, que também indicaram que, se inicialmente o banimento até conseguiu reduzir a importação internacional de casos, o número de registros observados fora da China voltou a crescer depois de 2 a 3 semanas, originados de outros lugares.

Segundo os autores – liderados pelo italiano Alessandro Vespignani, do Laboratório de Modelagem de Sistemas Biológicos da Universidade Northeastern, nos EUA -, mesmo limitações adicionais de viagem de até 90% do tráfego aéreo teriam um efeito modesto, a não ser que fossem combinadas com intervenções de saúde pública e mudanças de comportamento que reduzissem a transmissibilidade. A mesma equipe agora tenta estimar o impacto de fechamento de escolas.

Um outro estudo sobre as restrições de viagens e medidas de controle em aeroportos implementadas em vários países chegou a conclusões semelhantes. Os autores, liderados por Alison Galvani, do Centro de Modelagem e Análise de Doenças Infecciosas, da Escola de Saúde Pública de Yale (EUA), também concluíram que as ações desaceleraram a taxa de exportação de casos da China para outros países, mas foram insuficientes para conter a dispersão global.

Eles estimaram que, sem a restrição de viagem, 779 casos de covid-19 teriam sido exportados na China até 15 de fevereiro, mas com os bloqueios o número caiu em mais de 70%. Eles consideraram ainda que dois terços dos casos exportados eram pré-sintomáticos, o que limitava a capacidade de detecção nos aeroportos. Para os pesquisadores, que publicaram na revista PNAS, foi possível atrasar a dispersão, mas medidas adicionais de contenção, como rastreamento de contatos e isolamento de vírus, são importantes.

Essas análises, que ajudam a estudar os efeitos potenciais de diferentes estratégias de intervenção contra a doença, foram conduzidos por especialistas em modelagens de epidemias. Matemáticos não têm bola de cristal para dizer que x pessoas serão infectadas e y vão morrer – ao menos não nessa etapa da epidemia, quando há ainda muita incerteza sobre o vírus -, mas já vêm ajudando a entender o que funciona ou não para tentar conter a dispersão do vírus.

“Simular computacionalmente a evolução da doença em cada um dos cenários e comparar a evolução temporal em cada um deles – para o total de casos, para duração e intensidade do pico – é fundamental para analisar quais medidas são necessárias para promover o ‘achatamento da curva de incidência’, que é central para evitar a superlotação dos postos de saúde”, explica Marcelo Gomes, pesquisador em saúde pública do Programa de Computação Científica da Fiocruz. Ele explica que estudos assim são importantes, no Brasil, para entender a dispersão da dengue. Mas ele aponta que a mudança de hábitos é capaz de alterar as projeções.

O que já se sabe

Os epidemiologistas matemáticos usam estatística para compreender como as doenças se comportam de modo coletivo e quantitativo. Ao calcular valores como número básico de reprodução, intervalo serial e razão caso-fatalidade, eles podem estimar o impacto que uma doença pode ter.

Um dos passos fundamentais para descobrir o quanto uma doença pode se espalhar é descobrir o quão contagiosa ela é. Estudos preliminares indicaram que o valor estava entre 2 e 4 no mês inicial do surto de coronavírus na China. O da gripe comum, para comparação, é de 1,5. O do sarampo, é de 15.

O número básico de reprodução, porém, costuma se alterar ao longo de uma epidemia, por causa de melhorias nos métodos de diagnóstico e investimento em estratégias de contenção. Outra dimensão importante é o intervalo serial (SI), que é a quantidade de tempo que demora, na média, para que um novo infectado manifeste sintomas. Quando o intervalo serial é menor, a doença tende a se espalhar mais rapidamente, uma vez que leva menos tempo para que gerações do vírus se multipliquem.

Embora a capacidade de contágio do novo coronavírus seja maior do que a dos vírus da gripe, demora mais para que os sintomas apareçam na nova geração de infectados. O SI do coronavírus é de 4,4. O da gripe é de 2,8 e o do sarampo, de 11,7.

O parâmetro que mais preocupa é a razão caso-fatalidade: o porcentual de pessoas, entre aquelas com casos confirmados da doença, que morrem. A fatalidade da covid-19 varia bastante entre diferentes faixas etárias e dispara nos grupos de risco. Em fevereiro, o Centro de Prevenção de Doenças da China calculou que a taxa é de cerca de 2,3% na população em geral. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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