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  Desafios da educação para pais e mestres

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Especial Educação

Desafios da educação para pais e mestres

Qual o papel da família e da escola no processo de aprendizado, autoconhecimento e disciplina de crianças e adolescente

Por Débora de Souza

28 nov 2018 às 14:47 • Última atualização 28 nov 2018 às 14:50

A tecnologia trouxe mudanças pedagógicas, estruturais, sociais e culturais à Educação. Se antes aprender português e matemática bastava, no século 21 é exigido que as crianças aprendam a trabalhar em grupo, sejam tolerantes e criativas. Das escolas é cobrado o ensinamento de habilidades e competências até então vistas como responsabilidade dos pais. “Não é mais possível separar a educação de casa da educação da escola. Uma é complemento da outra e precisam caminhar juntas”, ressalta a pesquisadora e pedagoga Luciene Regina Paulino Tognetta.

Doutora em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano pela USP (Universidade de São Paulo), Luciene é professora do Departamento de Psicologia da Educação da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp Araraquara e líder do Gepem (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral) da Unicamp/Unesp.

Em entrevista exclusiva para a Revista L, a pedagoga ressalta a importância dos pais e mestres no processo de autoconhecimento e autorregulagem de filhos e alunos, e recomenda diálogo entre adultos e jovens a fim de adaptar a escola a essa nova linguagem.

Foto: Marcelo Rocha - O Liberal.JPG
“Não é mais possível separar a educação de casa da educação da escola. Uma é complemento da outra e precisam caminhar juntas”, ressalta a pesquisadora 

Qual é o papel dos pais e da escola no aprendizado das habilidades socioemocionais?
As habilidades socioemocionais estão associadas ao comportamento de uma pessoa dentro de uma empresa, o trabalho em grupo, a responsabilidade. Mas quando atribuímos a elas mais uma qualidade, que é a ética, atribuímos afetividade, o que torna essas habilidades mais complexas. Elas são mais que um comportamento, estamos falando de admiração, de arrependimento, honra, sentimento de culpa, que são elementos de afetividade e manifestam hierarquia de valores, portanto, uma responsabilidade da escola e da família.

Todas essas habilidades sem ética seriam vazias demais. Eu não posso trabalhar habilidades socioemocionais sem levar em conta o que o homem traz de mais significativo para si, que é conviver com as pessoas assertivamente, de uma forma que eu te respeite e você me respeite e que a justiça seja igual para mim e para você, que eu seja tolerante com o diferente assim como o outro deve ser comigo.

A tarefa da família e da escola é ajudar seus filhos e alunos a construírem valores, estratégias de convivência. Por exemplo, na briga entre irmãos em casa ou alunos no pátio da escola, eu preciso ajudá-los a construir uma estratégia de resolução de conflitos em que eles possam ver a perspectiva do outro; questionar de que outra forma ele poderia resolver a situação, o que ele poderia fazer diferente na próxima vez, o que ele sente quando bate no outro e como ele se sentiria se o outro batesse nele.

Acredito que, o que hoje estamos chamando de habilidades sejam estratégias de desenvolvimento cognitivo e afetivo, que devem ser acionados e que vão levar à construção dos valores morais. Sem isso, nós não atingiremos nosso grande objetivo que é formar pessoas melhores.

Além da teoria, o aprendizado acontece através das experiências pessoais. Como estimular as crianças a colocar a “mão na massa”?
Essa é uma discussão bastante ferrenha e temos que levar em consideração alguns pontos importantes. Uma pesquisa da Fundação Carlos Chagas, da qual participamos, mostrou que existe uma relação entre estar conectado às redes sociais e ter uma maior adesão a valores morais como justiça e generosidade. Isso quer dizer que o computador, a internet não é tão ruim assim.

Nós pais e professores, que não somos nativos digitais, temos dificuldade de entender e julgamos muitas vezes como imoral a forma como eles se manifestam nas redes, a forma como eles escrevem. Nós que somos de outra geração vemos como imoral a pessoa que faz o “nude” e não aquele que passou essa imagem para frente, percebe? Essa é uma discussão que eles sabem melhor do que nós.

Dizer que o problema está no videogame ou na rede social não é correto. O problema está em enxergar a internet como uma vilã e ela é uma vilã quando esses meninos têm sua capacidade subestimada. As escolas devem fazer uso dessas ferramentas, dar espaço para que esses meninos contêm sobre suas estratégias de convivência no mundo virtual e estimulá-los a criar grupos que ajudem aqueles que são expostos na rede social, vítimas de ciberbullying, porque eu, adulto, não sei fazer isso!

Como você analisa os atos de indisciplina?
Primeiro é preciso separar o que é um ato de indisciplina, de transgressão à uma regra que seria usar boné na sala de aula, por exemplo, e o que é um ato de violência, uma transgressão psicológica que é chamar a colega de “piranha”.

Normalmente na escola e em casa, a gente trata tudo no mesmo balaio e quando se faz isso não é possível identificar quando tomar uma atitude mais séria. Por exemplo, o menino que usa boné na escola foi suspenso. O garoto que xinga a colega, às vezes é suspenso, às vezes não é… numa lógica inversa fica para o aluno que: ‘usar boné na sala é tão grave ou mais que xingar um colega’.

Quando a criança tem um comportamento inadequado, os pais devem ajudá-la a pensar sobre o que aconteceu e o que vai acontecer se ela continuar com determinada atitude ou utilizar mau um tal recurso…

Disciplinar é dar ao filho e aluno a possibilidade de reconstituir a situação, antecipar acontecimentos e ajudá-lo a entender as consequências de sua escolha. É dar ao sujeito a possibilidade de ele pensar e de se controlar!

Como ajudar a nova geração a enfrentar frustrações inerentes ao processo de aprendizado, sendo ela tão imediatista e intolerante a “erros”?
Nós temos uma necessidade humana, com ou sem internet, de ter nossos sentimentos reconhecidos, de pensar que podemos tomar nossas decisões. Quando isso não ocorre, nos sentimos frustrados. A escola e a família podem ajudar aqui com um simples “como foi o seu dia hoje? O que aconteceu de bom?”. Essa reconstituição do dia a dia faz eu me dar conta do que fiz e de que maneira poderia ter resolvido um problema sem prejudicar o outro. Dessa forma a escola está me dizendo como controlar as frustrações.

Antes as crianças tinham mais oportunidades de viver entre crianças e resolver seus conflitos. Hoje, as crianças não podem ir a lugar algum sem uma câmera vigiando, um portão fechado. As crianças não precisam ser controladas, precisam aprender a se autorregular e eu a ensino isso quando dou a ela a oportunidade de escolha, por exemplo, “filho, você pode ir à festa e voltar meia noite ou ficar em casa, porque você não tem idade para ficar até as 3 horas da manhã [na rua]”.

Não adianta eu dizer que ele não vai, porque ele vai pular a janela. E também não adianta eu deixar que ele fique na festa até 5 horas porque fica muito fácil e as coisas perdem o sentido para a vida dele. É preciso dar escolhas e explicar, conversar sobres os limites.

A educação que funcionava há 30 anos, não funciona mais hoje. A educação é uma ciência e se nós conseguimos evoluir a ponto de fazer um mapa para a engenharia, temos que evoluir também na educação.