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  Aretha Franklin morre aos 76 anos

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luto na música

Aretha Franklin morre aos 76 anos

A Rainha do Soul, como era conhecida, tratava de um câncer em estágio avançado no pâncreas desde 2010

Por Agência Estado

16 ago 2018 às 10:22 • Última atualização 16 ago 2018 às 11:36

A Rainha do Soul Aretha Franklin morreu nesta quinta-feira, aos 76 anos, de acordo com informações da agência The Associated Press. Segundo seu agente, ela estava em sua casa em Detroit.

Diagnosticada com câncer em 2010, ela estava “gravemente doente”. A causa da morte foi “câncer de pâncreas em estágio avançado”, segundo comunicado divulgado para a imprensa, citando o médico de Aretha.

Aretha era uma força da natureza. A voz de enorme tessitura era capaz de alcançar agudos extremos, e ao mesmo tempo flutuar com segurança nos registros graves, sem contar o vibrato característico que acrescenta refinadas pitadas de balanço em seu jeito único de cantar. Aretha flutua entre as notas, ora retardando, ora acelerando em momentos inesperados. Mas o que a tornou a Rainha do Soul, uma das grandes divas da música do século, sem dúvida é o modo como transplantou a matriz “gospel” a outros gêneros populares, como o jazz, o blues, o pop.

Foto: Wikimedia Commons
Cantora apresentou “My Country ‘Tis Of Thee” na posse do então presidente dos EUA, Barack Obama, em 2009

Basta ouvir em sequência suas primeiras gravações, desde a primeira, de 1956, quando ela tinha 14 aninhos, disponível nas mídias digitais como Aretha Gospel. Na primeira faixa, There is a fountain filled with blood, apenas um órgão e seu próprio piano a acompanham; fiéis repetem “yes, yes” a cada verso. É de arrepiar. Aliás, se ouvir He will wash you white as snow, em que o coral dos fiéis “responde” a cada verso com versos e palmas, você vai entender por que o gospel, nascido no sul dos Estados Unidos, ainda no século 19, é a matriz das músicas negras dominantes até hoje no universo das músicas populares. Sem concorrência.

Cinco anos depois, Aretha, com 19 anos, gravou um disco com o grupo de Ray Bryant, um dos pianistas de jazz mais blueseiros naquele início da década mágica de 1960. Ela toca e também toca piano, ao lado de Bryant. Ouça o clássico de Gershwin It aint necessarily so, da ópera negra Porgy and Bess. A interpretação tem bastante a ver com Dinah Washington.

A Columbia, sua primeira gravadora, que a contratou ainda nos anos 1950, queria fazer dela a nova cantora-sensação de jazz. Mas Aretha só encontrou o rumo definitivo em meados da década de 1960, quando passou a gravar para a Atlantic. De lá para cá, foram 18 Grammys, dezenas de milhões de discos vendidos. E o status de “Rainha do Soul” (ela foi coroada em 1967, em Chicago, pelo DJ Pervis Spann). São daquela década sucessos planetários como Chain of fools, Spirit in the dark e Think.

No final do século, 1999, saiu uma biografia autorizada de David Ritz. Insossa, oficialesca. Em 2014, Ritz publicou o verdadeiro tesouro que colhera em suas pesquisas. Apesar dos protestos de Aretha, o livro altera o modo como a conhecemos. O maior mérito do livro é mostrar o profundo, decidido engajamento político da cantora na década de 1960 – ela cantou com Mahalia em 1963 para arrecadar fundos para a Grande Marcha a Washington de Martin Luther King e apoiou publicamente Angela Davis, militante pelos direitos civis dos negros. Tudo refletido em memoráveis canções como “Respect”, “Think”, “(You make me feel like) a natural woman” e “Chain of fools”, todas gravadas na Atlantic.

Filha do Delta

Aretha é “filha” musical da região do Delta do Rio Mississippi, é bom não esquecer – descendente direta da grande Mahalia Jackson e de Clara Ward. Bendito delta que pariu gênios do blues do porte de Robert Johnson, Son House, Howlin Wolf, Muddy Waters e B. B. King, entre tantos outros. Ainda criança, cantava no coral e participava dos cultos na igreja, compartilhando as suingadas pregações do pai, o reverendo Clarence, que inspiraram ninguém menos do que James Brown, o mago da soul music.

Mas em casa, sentadinha na escada junto com os irmãos Erma, Cecil e Carolyn, ouvia pianistas como Art Tatum e Nat King Cole dedilharem o piano da sala. Outros visitantes ilustres eram Oscar Peterson, Duke Ellington, Ella Fitzgerald, Billy Eckstine, Lionel Hampton. A cantora Dinah Washington era uma espécie de madrinha das crianças: ensaiava com elas. Esqueci de dizer: além dos irmãos, acotovelavam-se também naquela escada miraculosa amigos como Diana Ross e Smokey Robinson.

Por um belo texto de David Remick para a New Yorker em 2014, ficamos sabendo que ela escrevia a parte de piano, a harmonia de base e os breaks da bateria desde “Chain of foods” até “Natural woman”. Remick a considera “a maior cantora da história da música popular do pós-guerra”. E resume algumas de suas inovações: “Só a partir de ‘Amazing Grace’, sua gravação de 1972, ela passou a receber os créditos devidos. É portanto surpreendente, embora não devesse ser, ficar sabendo que ‘Lucky old sun’, de Ray Charles, e a versão de Otis Redding para ‘Try to a little tenderness’ se inspiraram nas gravações de Aretha destas canções; que ela mesma gravava em overbuds suas muitas linhas vocais sete anos antes de Marvin Gaye tornar famosa esta técnica em ‘hats going on’; que Eric Clapton ficou intimidado de tocar guitarra com ela; que sua gravação de 1967 de ‘Respect’ de Otis Redding formatou o modelo de uma soul music socialmente consciente e comercialmente viável por muitos anos; que Gaye se sentiu recompensado quando ela cantou sua ‘Wholly Holy’ em ‘Amazing Grace’ – o disco com o qual, além disso, Aretha ajudou a ‘inventar o gospel moderno'”.